Queria saber se antivaxxers também recusam tratar
seu câncer
As terapias mais
modernas pulam as vacinas e vão direto aos anticorpos
Acrescente estes termos ao seu vocabulário, porque
eles saíram dos laboratórios de pesquisa básica e chegaram à farmacopeia para
ficar: anticorpos monoclonais, a nova linha de tratamento para câncer e várias
doenças inflamatórias e autoimunes.
Peço perdão aos imunologistas pela simplificação do
seu objeto de estudo e trabalho, mas aqui vai.
Anticorpos são proteínas que funcionam como um
pirulito grudento, mas extremamente fresco, que só gruda em partes do corpo
muito específicas.
Por si sós, eles não fazem grandes coisas: não abrem rombos
em células, não destroem tumores, não matam vírus.
Terapias com anticorpos apenas usam a capacidade do
seu próprio corpo de destruir tumores e outras células alteradas, amplificando
essa capacidade de maneira extremamente específica.
É o cabinho do pirulito
monoclonal que permite isso, ao ser prontamente agarrado pelas "mãos"
das células do sistema imunitário do corpo.
Uma vez injetados no corpo, pirulitos-anticorpos se
espalham pelo sangue sem se grudar a nada além do objeto de sua preferência.
Coberta por esses pirulitos, uma célula cancerosa, por exemplo, se torna alvo
fácil do sistema imunitário, que a destrói sem causar grandes danos às células
saudáveis ao redor.
O contrário também é possível: em quem sofre de uma
doença autoimune, na qual, por exemplo, células das articulações são
indevidamente atacadas pelo próprio sistema imunitário, essas células podem ser
protegidas por um escudo de pirulitos grudentos que não se prendem a mais
nenhuma parte do corpo.
O mesmo vale para doenças inflamatórias, em que os
pirulitos grudentos monoclonais podem proteger tecidos ainda saudáveis de
inflamação ou bloquear agentes inflamatórios, dependendo do tipo de pirulito.
É aqui, aliás, que entra a parte
"monoclonal" na expressão: significa que todos os pirulitos usados em
uma terapia são clones de apenas um (mono) tipo de anticorpo, o que garante que
todos os pirulitos são rigorosamente iguais em sua "grudência"
específica (sim, e
E aqui, também, entra a parte que me diverte:
antivaxxer que se preza deveria recusar esses tratamentos, suprassumo da
ciência básica-tornada-aplicada.
Aliás, antivaxxers deveriam recusar
especialmente injeções de anticorpos monoclonais diretamente em seu cérebro,
onde eles são o tratamento mais promissor para os vários tipos de câncer do
cérebro, muitos extremamente agressivos e todos difíceis de tratar justamente
porque o cérebro é protegido do sangue por uma barreira.
A razão é simples. Uma vacina é nada mais que uma
substância injetada que faz seu corpo produzir seus próprios pirulitos, digo,
anticorpos.
Quem recusa a injeção de uma vacina deveria, logicamente, recusar
também a injeção de anticorpos monoclonais.
A "lógica" aqui vem de uma combinação de
medo com uma crença ingênua na "resistência natural" do próprio
corpo.
É um argumento semelhante ao que justifica a preferência de alguns por
"terapias naturais" –como se muitos venenos e drogas não fossem, eles
também, substâncias perfeitamente naturais.
Em caso de doença, essa resistência natural do
corpo por definição já falhou.
Mas, em caso de doença, a boa notícia para todos
aqueles que não recusam ajuda externa ao seu sistema imune é que a terapia com
anticorpos monoclonais já é realizada no Brasil, cortesia do SUS, graças à
parceria do Ministério da Saúde com o Instituto Butantan.
SUZANA HERCULANO-HOUZEL - bióloga
e neurocientista da Universidade Vanderbilt (EUA).