Compreender
inteligência artificial é obrigatório para pensar a educação
Em 2017, um adolescente chinês de 19 anos chamado Ke Jie
enfrentou um dos programas de computador mais engenhosos já concebidos, o
AlphaGo, desenvolvido pelo Google.
O campo de batalha foi o jogo chamado Go. Inventado na
Ásia há mais de 2.500 anos, joga-se em um tabuleiro quadriculado. As peças são
dispostas para cercar e com isso capturar as pedras do adversário.
Apesar das regras simples, há mais movimentos possíveis
do que há átomos no universo. Isso torna o jogo um desafio até para as mais
sofisticadas inteligências artificiais.
Ke, obviamente, não era um adolescente comum. Naquele
momento ele era o campeão mundial de Go. Nenhum outro ser humano era capaz de
vencê-lo.
Livro AI Superpowers, de Kai-Fu Lee, ed. Houghton
Mifflin Harcourt, R$ 82,80, 272 págs –
No entanto, em uma tarde de maio daquele ano, ele foi
não só derrotado mas obliterado pelo computador do Google. Em três longas
partidas de mais de três horas cada uma, Ke tentou de tudo. Foi agressivo,
analítico, defensivo e imprevisível. Nada funcionou. O jovem não teve nenhuma
chance.
Nos Estados Unidos e no Brasil, a vitória da
inteligência artificial sobre Ke foi noticiada como um fait divers, sem maior
importância. Apareceu em algumas revistas especializadas e não mais do que
isso.
Na China, a disputa entre Ke Jie e AlphaGo foi assistida
ao vivo por 280 milhões de pessoas, que ficaram profundamente tocadas pelo
embate. Isso gerou um misto de perplexidade com desafio. Se um computador podia
vencer o melhor jogador de Go do planeta, o que seria capaz de fazer com os
empregos de pouca especialização nas fábricas, empresas e lojas?
Aquele foi um momento "Sputnik". O lançamento
do primeiro satélite artificial pela União Soviética, em 1957, desencadeou
imensa ansiedade nos Estados Unidos. A reação levou à criação da Nasa e,
posteriormente, à conquista da Lua.
Do mesmo modo, a derrota de Ke Jie mergulhou a China em
uma febre de inteligência artificial. Investidores, empreendedores, governo e
comunidade científica juntaram forças para desenvolver em conjunto sua
"conquista da Lua" envolvendo inteligência artificial. Há até um
plano ambicioso de metas, que prevê que em 2030 o país se torne o epicentro
desse tipo de tecnologia.
Essa e outras histórias estão no livro
"Superpotências IA: China, Vale do Silício e a Nova Organização do
Mundo" escrito por Lee Kai-Fu. Trata-se de leitura essencial para entender
os desafios da inteligência artificial.
Ninguém melhor que Lee para contar a história. Ele foi
presidente do Google na China entre 2005 e 2009 e é hoje um dos principais
investidores em inovação no país.
No livro, fica claro que compreender inteligência
artificial é obrigatório para qualquer país, especialmente para pensar a
educação. É por meio da educação pública que criaremos o antídoto para os
desafios que virão muito em breve.
Tanto é que Lee se tornou famoso por escrever suas
"10 Cartas para Estudantes", que viralizaram. Em uma delas ele diz:
"Educação é aquilo que sobra depois que você esquece tudo que te
ensinaram".
Vale meditar sobre essas palavras. Os mesmos desafios
que a inteligência artificial traz para outros países aplicam-se a nós também.
Ronaldo
Lemos - advogado, diretor do Instituto
de Tecnologia e Sociedade do Rio de Janeiro.
Fonte:
coluna jornal FSP