Acusado
na operação Encilhamento compra imóveis e busca green card, diz vítima.
Renato De Matteo Reginatto, 37 Natural de Rio Claro
(SP), dono da gestora FMD Asset, deu pareceres em institutos de Previdência
municipais pela Di Matteo Consultoria Financeira e como consultor da CVM
(Comissão de Valores Mobiliários); concorreu a deputado federal em 2014 pelo
PSB. É apontado pela Polícia Federal na Operação Encilhamento como figura-chave em um esquema de desvio de recursos
de fundos de pensão municipais que, pelas estimativas dos investigadores,
alcançou R$ 1,3 bilhão.
Matteo é dono da gestora de recursos FMD Asset. Chegou a
gerir R$ 590 milhões de fundos municipais. Ele teve prisão preventiva decretada
em abril e está foragido.
A Folha teve acesso a documentos de uma
investigação particular mostrando que Matteo, enquanto foragido do Brasil por
desvio da poupança de milhares de servidores e aposentados, está nos Estados
Unidos fazendo aquisições.
Desde dezembro, já comprou um apartamento em Nova York
por US$ 6,5 milhões (R$ 25,5 milhões); uma casa em Miami, por outros US$ 3,5
milhões (R$ 13,7 milhões) e também arrematou um barco, de 64 pés, pagando US$
1,1 milhão (R$ 4,2 milhões).
Ele possui ainda dois imóveis em Boston que, juntos,
somam US$ 2,3 milhões (R$ 9,2 milhões).
Segundo a investigação particular, as únicas
transferências de dólares informadas por Matteo à Receita Federal no Brasil até
2017 são de US$ 2,5 milhões (R$ 9,8 milhões), enquanto os investimentos
identificados alcançam US$ 13,6 milhões (R$ 53,4 milhões).
O dinheiro usado por Matteo vem de quatro offshores
(contas mantidas fora do país), identificadas no relatório da PF referente à
Operação Encilhamento.
Natural de Rio Claro (SP), Matteo também mantém empresas
de consultoria e assessoria financeira nos Estados Unidos, onde busca legalizar
a permanência.
Tinha agendado para junho a última entrevista no
Departamento de Imigração, dentro do processo que garante a ele e a toda a
família o chamado "green card", visto que dá direito a estrangeiros
morar e trabalhar nos EUA.
Pelas informações obtidas na investigação, Matteo está
nos Estados Unidos desde 2016, quando, após delações na Operação Lava Jato, a
PF passou a investigar desvios de recursos em fundos de pensão.
No currículo que entregou para o processo no
Departamento de Imigração americano, ele informa ainda que tem cidadania
italiana e que, em 2017, viajou três vezes para a China, onde assinou memorando
de entendimentos para negócios com uma companhia local.
Em 23 de abril deste ano, já com a prisão temporária
decretada, ele negociou bens que possui em São Paulo. Nesse dia foi registrada
a venda de um apartamento no Jardim Paulista por R$ 1,199 milhão. Esse
apartamento era da Immobiliare, uma de suas empresas.
Todos os documentos aos quais a Folha teve acesso
foram obtidos pelo advogado Eli Cohen, que afirma ter sido lesado por Matteo em
um investimento realizado há quatro anos. Desde então, Cohen busca, sem
sucesso, um ressarcimento para as perdas, cujo valor não revela.
De acordo com o relatório da PF, Matteo é um importante
elo do esquema. Candidato a deputado federal por São Paulo nas eleições de 2014
(que não venceu), dono de gestora e de consultoria, ele é apontado como a peça
que interliga políticos em cidades do interior --e em alguns estados também-- a
operadores do mercado financeiro na capital paulista.
Para os investigadores, teria saído do país não apenas
por temer a prisão, mas por ser ameaça a um grande número de envolvidos no
esquema --que não mediriam esforços para impedir a sua delação.
Quem é quem na gestão de investimentos
A indústria de fundos tem protagonistas bem definidos. O
distribuidor coloca em contato aquele que tem recursos para investir, o chamado
cotista, com o profissional pago para encontrar boas oportunidades de
aplicações, o gestor. Uma quarta figura importante é a do administrador, que é
responsável por fiscalizar o gestor
Como funciona o investimento em debêntures
Empresas que vendem esses títulos se comprometem a pagar
para quem comprou os papéis parcelas dessa dívida corrigida por juros e um
indicador de inflação
O que a PF identificou
·
Associação indevida dos agentes de
mercado
·
Distribuidores, gestores e
administradores se associaram, supostamente mal intencionados
·
Emissão de títulos podres
O grupo simulava a emissão de papéis de empresas de
fachada ou que estavam à beira da recuperação judicial. Se a empresa está em
dificuldades, a chance de ela inadimplir esses pagamentos é grande. Se ela não
existe, e tem como sócios os próprios gestores, distribuidores e
administradores, a chance de não cumprir com os pagamentos é de 100%.
A dinâmica do golpe
A PF identificou 28 fundos que tinham como cotistas
quase que exclusivamente fundos de Previdência de estados e municípios. Listou
13 casas que se revezavam como gestores e administradores das carteiras. Ou
seja, os integrantes do grupo faziam os investimentos e ao mesmo tempo eram
responsáveis pela fiscalização. Isso garantia que a inadimplência das
debêntures não aparecesse para os cotistas, que só tomariam conhecimento que
seus recursos viraram pó no final do prazo do fundo, ou do prazo estabelecido
para o pagamento das debêntures
Duas operações investigam
esquema
Os esquemas em fundos de Previdência municipais foram
alvo de duas operações policiais. A primeira, em julho de 2017, foi batizada de
Papel Fantasma. O nome descrevia a natureza do esquema.
Empresas ligadas ao mercado financeiro convenciam os
gestores de fundos de Previdência de prefeituras a comprar papéis de dívidas
chamados debêntures.
Debênture é um tipo de título privado emitido por
empresas com o compromisso de regaste em prazos e taxas de juros previamente
acertados. É um instrumento para empresas captarem recursos sem dependerem de
empréstimos em bancos.
No mundo normal dos negócios, esse tipo de investimento
pode ser extremamente rentável. Ocorre que no esquema fraudulento, as debêntures
não tinham lastro --ou seja, não eram emitidas por empresas de verdade.
Na segunda operação, chamada Encilhamento, em abril
deste ano, a PF relatou ter identificado o esquema em 28 institutos de
Previdência municipais.
O maior problema está em Uberlândia (MG), onde dos cerca
de R$ 760 milhões do fundo da cidade, metade estaria sob risco. Ainda conforme
a PF, Paulínia, no interior de São Paulo, pode ter perdido R$ 192,3 milhões.
Um dos fundos de investimento com papeis suspeitos que
chamou a atenção dos investigadores foi o Sculptor, gerido pela FMD e
administrado pela Gradual Investimentos.
Na Encilhamento, foram emitidos 20 mandados de prisão em
seis estados. Entre os presos estavam o ex-prefeito de Uberlândia Gilmar
Machado, Meire Poza, ex-contadora do doleiro Alberto Youssef, e a presidente da
Gradual, Fernanda de Lima. Matteo já estava fora do país.
Ana Paula Ragazzi –
jornalista
Fonte: jornal FSP