Empresas levantam milhões usando
apenas moedas virtuais
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Há
uma revolução financeira em curso. Exemplos? Você pode ser um dos investidores
mais bem informados do país, mas é provável que nunca tenha ouvido falar da
Gnosis. Pois bem, ela fez uma espécie de IPO (oferta pública de ações) em 25 de
abril. Vendeu 5% do capital e levantou US$ 12,5 milhões em 15 minutos. Isso
jogou seu valor para US$ 300 milhões. Hoje, ele está em US$ 1 bilhão. Quem
comprou triplicou o capital em quatro semanas.
Mas
como ninguém ficou sabendo desse investimento miraculoso? Simples: ela não fez
um IPO tradicional, mas um ICO, isto é, um "Initial Coin Offering",
uma oferta pública de um tipo de moeda virtual chamada "token",
criada pela própria empresa. Esse "token" representa digitalmente uma
unidade de operação do seu negócio e tem valor de mercado. Pode ser comprado e
vendido.
A
oferta pública da Gnosis também não aconteceu em Bolsa. Ela foi feita puramente
na internet. Os investidores usaram só criptomoedas, como o bitcoin, para
comprar os "tokens" ofertados. Com isso, tudo aconteceu numa incrível
velocidade.
A
história da Gnosis não é uma exceção. Há uma exuberância irracional no mercado
de cibermoedas. Nas últimas semanas, várias empresas totalmente desconhecidas,
com a iExec (plataforma de computação em nuvem) ou a Humaniq (plataforma de
inclusão financeira para quem não tem conta bancária), levantaram entre US$ 2
milhões e US$ 10 milhões em minutos por meio de ICOs.
Nas
próximas semanas, há pelo menos dez novos ICOs agendados, incluindo o da Tezos.
Ela promete ser o maior ICO de todos os tempos. Tem gente apostando que a
empresa levantará até US$ 200 milhões em questão de minutos.
Esse
novo modelo de capitalização rompe a dominação das empresas de "venture
capital" (capital de risco). Além disso, dá um passa-moleque em todas as
autoridades de regulação de valores mobiliários, como a CVM no Brasil ou a SEC
nos Estados Unidos. Muito provavelmente haverá um estouro dessa bolha antes
mesmo que muita gente fique sabendo que ela sequer existiu.
Apesar
disso, esse é um modelo que veio para ficar. Ele é uma evidência do
aceleracionismo que estamos vivendo. Os ICOs decorrem da fluidez e da ausência
de possibilidade de controle sobre as moedas virtuais (hoje totalmente
conversíveis em dinheiro).
Com
isso, novas empresas como essas podem levantar milhões em segundos. É uma
espécie de crowdfunding (financiamento coletivo) em que se vende um componente
do próprio capital, só que tudo virtualmente, sem papel ou contrato
tradicional. E, claro, todas essas empresas podem também desaparecer do dia
para noite.
A
exuberância desse mercado está se refletindo no preço do bitcoin. Há duas
semanas, um bitcoin valia US$ 1.400. Na semana passada, chegou a valer US$
2.400. Esse é nosso admirável mundo novo, onde tudo que é sólido se desmancha
na rede.
Ronaldo Lemos - advogado, diretor do
Instituto de Tecnologia e Sociedade do Rio de Janeiro (ITSrio.org). Mestre em
direito por Harvard. Pesquisador e representante do MIT Media Lab no Brasil.
Fonte: coluna jornal FSP