O que os supervelhinhos têm em comum?
Alzheimer e perda cognitiva não
são inevitáveis.
Conforme ciência, medicina e educação avançam,
nossos velhinhos são cada vez mais velhinhos, o que é em princípio excelente
sinal de progresso.
Mas faz aparecer um novo problema: morrer bem velha, como
queria a saudosa Rita Lee, na maioria das vezes ainda quer dizer morrer em
estado avançado de decrepitude mental, sofrendo de doenças neurodegenerativas
variadas e doença de Alzheimer em particular.
Pergunta importante, então: perda cognitiva é parte
integral do envelhecimento ou dá para evitar? E se
todo mundo chegasse aos 120 anos, o Alzheimer seria inevitável?
Por muito tempo suspeitei que sim.
Envelhecer é
acumular danos pelo corpo todo, consequência do simples fato de estar vivo,
assim como a pele acumula escaras e cicatrizes e a mente, traumas.
Como
neurônios não têm reposição, viva tempo suficiente e os estragos
progressivamente sobrepostos vão transformando o cérebro em uma colcha de
retalhos cada vez mais fina, que inevitavelmente se rasga.
E se a doença de Alzheimer fosse uma forma
exagerada de envelhecimento, então bastaria viver o suficiente para chegar ao
ponto onde a doença se manifesta. Afinal, o maior fator de risco para a doença
de Alzheimer é, pura e simplesmente, idade avançada.
E, com a idade, o metabolismo do cérebro declina.
Estudo após estudo já mostraram isto: o volume do cérebro encolhe, o fluxo de
sangue para o cérebro diminui, a taxa de uso de energia cai progressivamente. O
efeito da idade é óbvio.
O envelhecimento do metabolismo do cérebro começa com
a maturidade sexual, e daí em diante é ladeira abaixo.
De mãos dadas com o metabolismo do cérebro cai também o
desempenho cognitivo. Faz sentido: o cérebro custa um bocado de energia, então,
se ele começa a usar cada vez menos energia, ele fica limitado a fazer cada vez
menos.
Exceto
que esse é o efeito médio da idade na população.
Olhe os indivíduos um a um e
você descobre os supervelhinhos: octogenários, e outros para lá de
octogenários, com capacidade cognitiva tão superior aos seus colegas de faixa
etária que chegam a se comparar com a juventude nos seus trinta e poucos anos.
O que eles têm de especial?
Supervelhinhos
não têm grandes perdas no fluxo sanguíneo no cérebro. Supervelhinhos têm um
cérebro que continua a custar tão caro quanto o cérebro de adultos que ainda
nem atingiram a meia-idade.
E
supervelhinhos ou não têm sinais de doença de Alzheimer no cérebro ou até têm,
mas com zero perda cognitiva, como se ainda fossem capazes de compensar e
"dar um jeito" de continuar funcionando.
A
receita para se tornar um supervelhinho ainda não é conhecida, lamento.
Mas
eu sei dar um chute bem-educado: agora que nós sabemos que o funcionamento do
cérebro é limitado pela circulação sanguínea, é possível dizer que
supervelhinhos necessariamente têm fluxo sanguíneo cerebral impecável, como se
o tempo não houvesse passado pelas suas artérias.
Genética
ajuda e a gente não escolhe, mas das suas artérias todo mundo pode cuidar.
É só
seguir aqueles conselhos chatos de sempre que você já sabe que vai ouvir do seu
médico: comer direito, fazer exercício, respirar bem...
SUZANA HERCULANO-HOUZEL - bióloga e
neurocientista da Universidade Vanderbilt (EUA).