Dentro da cartilha empregada por governos
autocráticos contra as democracias ocidentais, encontra-se a infeliz prática de
atacar digitalmente ativistas. Na semana passada, houve relatos do uso dessa
tática na Venezuela, com o emprego do ataque conhecido como
"doubleswitch" (dupla mudança). As vítimas foram Milagros Socorro,
conhecida jornalista e escritora, e também Miguel Pizarro, deputado
oposicionista ao governo Maduro.
Milagros e Pizzaro tiveram suas contas em redes
sociais capturadas por hackers, que no processo tiveram também acesso a todos
seus dados pessoais e todas suas comunicações privadas, iniciando na sequência
uma campanha de exposição de ambos. Nos dois casos as contas eram verificadas e
com um grande número de seguidores. Um prato cheio para quem quer manipular a
esfera pública.
O ataque "doubleswitch" dá-se de várias
formas. São especialmente vulneráveis os usuários que não implementaram ainda
mecanismo de verificação por meio de dois fatores (por exemplo, senha e SMS
recebido por celular). As técnicas usadas para descobrir a senha da conta são
muitas: phishing, engenharia social, ataque a servidores de DNS e assim por
diante. Em outras palavras, se você não acionou ainda o mecanismo de dupla
verificação na sua conta, pare de ler este artigo agora e faça isso.
O problema -evidenciado pelo caso venezuelano- é
que em países autocráticos até mesmo o mecanismo de verificação por dois
fatores (por meio de mensagens de SMS) é também frágil e pode ser explorado. A
razão é que esses ataques são conduzidos por atores estatais, ou seja, o
próprio governo ou agentes a ligados a ele.
Nesses casos há muito pouco que o usuário comum
possa fazer para se defender. Atores estatais autocráticos perdem os limites e
conseguem manipular diretamente a infraestrutura da rede. Podem dessa forma
interceptar facilmente as mensagens de SMS enviadas. Para isso, implementam
técnicas de hackeamento como o nefasto "man in the middle" (homem no
meio), que insere um servidor pirata, uma falsa torre de celular, ou até mesmo
um clone do celular da vítima, no meio da comunicação, com o intuito de
interceptar o SMS enviado e confirmar a segurança da conta.
Esse tipo de prática põe em risco inclusive o
próprio setor bancário, que usa esse mesmo tipo de técnica para a segurança das
transações financeiras. Em outras palavras, esse tipo de prática precisa ser
fortemente combatida pelo Estado, e não empregada ou promovida por ele.
Por essa razão é essencial determinar legalmente
quais são os limites de atuação do Estado sobre a infraestrutura da internet e
das redes de comunicação. É preciso impedir que agentes estatais se transformem
em "hackers" de ocasião desgovernados, pondo em risco a integridade
dos usuários e por tabela, da própria democracia. Nesse contexto, é preciso
lembrar da célebre pergunta: Quem vigia os vigilantes? A resposta é óbvia: o
direito.
Ronaldo
Lemos -
advogado, diretor do Instituto de Tecnologia e Sociedade do Rio de Janeiro
(ITSrio.org). Mestre em direito por Harvard. Pesquisador e representante do MIT
Media Lab no Brasil.
Fonte:
coluna jornal FSP