É de
conhecimento que a saúde é um direito fundamental previsto expressamente em
nossa Constituição Federal, tal como expõe o artigo 6º: “São
direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o
transporte, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à
maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta
Constituição.”.
Mais adiante, no artigo 196 do
supracitado Diploma Legal, é dito que a saúde é um direito de todos e dever do
Estado. Somado a isto, no artigo 199 vemos a assistência à saúde livre à
iniciativa privada. Por via de consequência, a saúde suplementar, por meio da
oferta dos planos e seguros privados de assistência à saúde, repercute no
cenário econômico e na vida das pessoas que contratam este tipo de serviço.
Desta forma, podemos dizer que
no Brasil existe a saúde pública, com acesso franqueado a toda população e sem
limite de uso, e a saúde suplementar, mediante contratação e restrita ao que se
encontra disposto em cláusula.
Pela simples leitura da
Constituição Federal/88, estabeleceu-se a saúde suplementar como atividade
empresarial privada que estaria regulada por lei especial. Logo, há de se notar
a ausência de regulação da matéria por volta de 10 anos e, obviamente, inúmeros
fatos considerados abusivos foram constatados.
A
propósito, vale registrar que o sistema de saúde suplementar foi regulamentado
com a edição da Lei nº 9.656/98. Até a publicação do antedito
normativo, os contratos de planos e seguros de saúde privados firmados
eram regulados tão somente pelas normas gerais do Código Civil Brasileiro e
pelo texto consumerista, leia-se, Lei nº 8.078/90. Assim, as operadoras atuavam
de forma livre, porquanto não havia nenhuma regulamentação/fiscalização do
setor da saúde suplementar.
Até
mesmo porque, a criação da Agência Nacional de SaúdeSuplementar – ANS ocorreu
no início do ano de 2000, por intermédio da Lei nº 9.961/00. Autarquia especial vinculada
ao Ministério da Saúde, a qual tem por escopo essencial, a regulação,
normatização, controle e fiscalização das atividades inerentes à assistência de
saúde suplementar no Brasil.
Pois bem, conforme dados
extraídos do sítio eletrônico da Agência Nacional de Saúde Suplementar – ANS,
em setembro/2015, constam 50.261.602 beneficiários em planos privados de saúde
por cobertura assistencial (assistência médica com ou sem odontologia). Dado o
volume de pessoas que tem plano de saúde contratado, pode-se perceber uma das
consequências é o excesso de litígios envolvendo o segmento de saúde privada.
Em pesquisa junto à ANS,
nota-se que as reclamações promovidas pelos consumidores desse tipo de serviço
estão relacionadas a maior cobertura de procedimentos não previstos nos
contratos de planos de saúde.
Vejamos:
Reclamações segundo tema da demanda (Brasil –
janeiro-setembro/2014 e setembro-setembro/2015)
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Tema da demanda
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2014
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2015
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Reclamações
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%
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Reclamações
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%
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Total
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66.310
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100,0%
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72.416
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100,0%
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Cobertura
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45.181
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68,1%
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53.170
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73,4%
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Contratos e Regulamentos
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15.004
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22,6%
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13.989
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19,3%
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Mensalidades e Reajustes
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5.634
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8,5%
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4.855
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6,7%
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Outros
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491
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0,7%
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402
|
0,6%
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Fonte: SIF/ANS/MS – 09/11/2015
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Caderno de Informação da Saúde Suplementar – dezembro/2015
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Não se pode olvidar, o que se
tem visto há anos é o acionamento do Poder Judiciário para dirimir conflitos
entre consumidores e operadoras de plano de saúde, assumindo a questão e
determinando antecipação de tutelas, liminares, e mandados para executar serviços,
repercutindo, obviamente, no equilíbrio financeiro-atuarial dos planos
reclamados.
As pessoas têm se utilizado da
máquina judiciária postulando direitos incompatíveis com a legislação
específica e de aplicabilidade ao caso em concreto e, principalmente, com as
determinações pactuadas, resultando significativa elevação de contendas
litigiosas, ensejando no aumento da quantidade de processos e faz apontar
números alarmantes de determinações de judiciais provenientes deste fato, que
poderiam ser evitados com uma política de prevenção.
É claro que o segmento de saúde
privado implica dentre suas atividades comerciais, serviços de ordem primordial
para a sociedade brasileira, ou seja, tratamento à saúde humana, suplementar ao
serviço do Estado, o que deveria ser subsidiário, a fim de complementar o
direito fundamental instituído por nossa Constituição Federal.
Ora, o Poder Judiciário impõe
responsabilidade às operadoras, tendo em vista as provocações formuladas pelos
beneficiários, a qual muitas vezes não está prevista no plano contratado, sendo
certo que o consumidor tem plena ciência disto. Como dito em linhas pretéritas,
a Constituição Federal obriga o Estado a prestar assistência médica de forma
ilimitada, e não aos planos de saúde suplementar.
Repisa-se, múltiplos serviços
praticados sob intervenção do Poder Judiciário oneram demasiadamente as
operadoras de plano de saúde suplementar, que elevam seus custos. Muitas destas
determinações ocorrem sem cobertura contratual ou sem previsão no rol
determinado pela ANS, comprometendo a vitalidade das operadoras.
A
situação vigente é tão preocupante que, no ano passado, o jornal Folha de São
Paulo circulou a notícia de que
entidades representantes de planos de saúde vão custear a criação e o
funcionamento de um núcleo no Tribunal de Justiça de São Paulo, o qual tem por
escopo mediar demandas judiciais propostas em face das operadoras.
Frente ao quadro atual,
necessário se faz vislumbrar as atitudes passíveis de serem tomadas pelas
pessoas comprometidas com a judicialização da saúde suplementar, para que esta
seja minimizada o máximo possível, de modo que os responsáveis pela
judicialização dos planos privados percebam se realmente é indispensável
acionar o Poder Judiciário ou se simplesmente, de forma administrativa, o
assunto possa encontrar solução.
E o que fazer para mudar este
cenário? Será que falta aos beneficiários se conscientizarem e conhecerem
melhor o seu plano de saúde e sua prestadora do serviço de saúde? Será que as
operadoras/seguradoras podem atuar preventivamente, de modo a mitigar novas
ações judiciais, e buscar solucionar as que estão em andamento? Pois bem, como
política de fomento à saúde suplementar, as prestadoras precisam olhar para
dentro de casa e promoverem uma interlocução mais de perto com o beneficiário,
caso ainda não tenham atuado neste sentido, como forma de minimizar os riscos
jurídicos correspondentes a planos tão reclamados nas vias judiciais.
É necessário que beneficiários
reflitam com profundidade se a justiça é um caminho viável e adequado para
dirimir eventuais conflitos envolvendo o seu plano de saúde. Não se afasta a
ocorrência de que a prestadora possa, eventualmente, prejudicar o direito do
beneficiário. Seria muita ingenuidade pensar que as operadoras não cometem
erros, num segmento tão vasto de planos de saúde em plena atividade.
Se direitos são afrontados,
obviamente, é merecedor que haja reparo pelo agente causador do dano.
Entretanto, o que estamos assistindo no momento é a uma enxurrada de ações
judiciais sem a vinculação a efetivos direitos, o que, por sua vez,
apresentam-se como meras aventuras processuais, por muitas vezes se encontrarem
ausentes de respaldo legal. A judicialização da matéria em tela pode ser
minimizada se os prestadores do serviço de assistência à saúde suplementar
adicionarem aos seus valores institucionais a prevenção e resolução do
conflito.
Fernando Henrique Silva da
Costa - Advogado, membro da OAB/DF e pós-graduando em Direito da
Previdência Complementar, é Supervisor Jurídico da GAMA Consultores Associados