De
vez em quando, disciplinas com sólido pedigree nas humanidades se aproximam das
ditas ciências duras.
Não é todo dia que acontece, mas, de vez em quando,
disciplinas com sólido pedigree nas humanidades passam por uma recauchutagem e
se aproximam das ditas ciências duras.
Foi assim com a linguística. Até há pouco encravada nos departamentos de letras
das universidades, a linguística se tornou uma ciência capaz de, no melhor
estilo popperiano, produzir previsões falseáveis e que comporta sofisticadas
análises estatísticas.
Algo parecido parece estar acontecendo com a pedagogia, e um dos responsáveis
por isso é o neurocientista francês Stanislas Dehaene, autor cujos
livros não canso de elogiar. O mais recente deles,
"How We Learn" (como aprendemos), não é exceção.
O
processo de "cientificização" da pedagogia não começou ontem. Já há
algum tempo, por tentativa e erro e muita pesquisa de avaliação, compusemos um
bom catálogo do que funciona melhor e pior na educação.
A novidade é que trabalhos como os de Dehaene agora permitem explicações mais
fundamentais, no nível biológico, para esses achados. O autor destrincha cada
pedacinho do cérebro para explicar, por exemplo, por que a alfabetização de uma
criança não pode dispensar o ensino explícito do jogo entre letras e sons que
caracteriza nosso sistema de escrita.
As elaboradas descrições neurocientíficas não afastam Dehaene da perspectiva da
prática. Ele mostra, entre outras coisas, por que um ensino eficaz exige um
pouco de decoreba (é preciso liberar espaço na memória de trabalho para
resolver problemas) e muito sono (é com os sonhos que consolidamos as
cognições).
Há espaço para alguns paradoxos: submeter o aluno a testes é importantíssimo,
mas as notas são uma maldição (fazer provas ajuda a organizar o conhecimento,
mas notas genéricas, que não detalham as deficiências apresentadas, funcionam
muito mais como uma fonte de estresse do que como um sistema de
"feedback" de erro, este sim fundamental).
Hélio Schwartsman - jornalista, foi editor de Opinião. É autor de
"Pensando Bem…".
Fonte: coluna jornal FSP