O
Brasil injetou bilhões de dólares na construção de uma ferrovia que atravessa
terras áridas, mas o projeto totalmente atrasado hoje atrai ladrões de metal.
Novos
prédios públicos curvilíneos projetados pelo famoso arquiteto Oscar Niemeyer
foram abandonados logo após a construção.
Houve
até um malfadado museu de extraterrestres criado com verbas federais.
Hoje,
seu esqueleto, em Varginha, Minas Gerais, parece um navio perdido em meio a
ervas daninhas.
O
Brasil acumula uma lista de atrasos, alguns causados por acidentes fatais em
obras e orçamentos estourados.
O
país está montando sistemas de ônibus e trens para os espectadores, mas eles só
ficarão prontos bem depois do término da Copa.
Os
projetos para a Copa do Mundo, porém, são apenas parte de um problema maior que
atrapalha as ambições do Brasil: diversos projetos faraônicos concebidos quando
o crescimento econômico era pujante, mas que hoje estão abandonados ou
suspensos, ou com preços muito acima do orçamento inicial. As construções
visavam simbolizar a ascensão aparentemente inexorável do Brasil.
Mas
agora que o país vive uma ressaca, tais projetos expõem seus líderes a críticas
intimidadoras. Alguns economistas dizem que essas obras revelam uma burocracia
paralisante, a alocação irresponsável de recursos e bastiões de corrupção.
Há
protestos nas ruas contra os novos estádios caríssimos em construção em cidades
como Manaus e Brasília, que evidentemente terão pouca utilidade após o término
da Copa do Mundo, por escassez de torcedores. "Os fiascos se multiplicam e
revelam uma desordem que, lamentavelmente, é sistêmica", disse Gil
Castello Branco, diretor da ONG Contas Abertas, que examina orçamentos
públicos. "Estamos acordando para a realidade de que recursos imensos são
desperdiçados em projetos extravagantes, ao passo que nossas escolas públicas
ainda são péssimas e falta saneamento básico em nossas ruas."
A
lista crescente de projetos de desenvolvimento problemáticos inclui uma rede de
canais de concreto de US$ 3,4 bilhões no sertão nordestino assolado pela seca,
que deveria ter sido concluída em 2010. Além dessa rede, há dezenas de novos
parques eólicos inativos devido à falta de linhas de transmissão e hotéis de
luxo inacabados que estragam a paisagem urbana do Rio de Janeiro. Economistas
consultados pelo Banco Central calculam que o crescimento do Brasil será de
apenas 1,63% neste ano, uma queda radical em relação à taxa de 7,5% em 2010, o
que torna 2014 o quarto ano de baixo crescimento.
O
rebaixamento da classificação de crédito do Brasil pela agência Standard &
Poor's, em março, foi motivado pelas estimativas de desaceleração econômica.
O
fato de que haverá eleições este ano complica a situação do governo. Uma
pesquisa de opinião no mês passado mostrou que o apoio à gestão da presidente
Dilma Rousseff caiu de 43% em novembro passado para 36%, pois a economia
continua apática.
Apoiadores
de Rousseff afirmam que os gastos públicos têm ajudado a manter as taxas de
desemprego em patamares tão baixos que chegam a ser históricos.
Luiz
Inácio Lula da Silva, mentor político de Rousseff e seu antecessor na
Presidência, colocou muitos projetos em andamento durante sua gestão, de 2003 a
2010. Em entrevista recente, ele afirmou que antes de seu governo o Brasil
passara décadas sem investir em obras públicas, de modo que uma retomada era
essencial. Mesmo assim, um coro crescente de críticos argumenta que a
incapacidade de concluir grandes projetos de infraestrutura comprova a fraqueza
do modelo de capitalismo estatal do Brasil.
Segundo
eles, em primeiro lugar, empresas, bancos e fundos de pensão sob controle
estatal têm muita influência e investem em projetos mal elaborados.
Depois,
outros bastiões da burocracia pública entravam projetos por meio de auditorias
e ações judiciais. "A verdade é que alguns empreendimentos jamais deveriam
contar com dinheiro público", disse Sérgio Lazzarini, economista do
Insper, uma escola superior de administração, economia e direito em São Paulo,
apontando os milhões em financiamento estatal para a reforma do Hotel Glória no
Rio, que até recentemente pertencia ao magnata Eike Batista.
A
reforma não será concluída a tempo para a Copa do Mundo, pois o império de
Batista ruiu no ano passado. "Para projetos de infraestrutura que merecem
apoio estatal e o conseguem, ainda há a tarefa de lidar com os riscos criados
pelo próprio Estado." A Transnordestina, uma ferrovia iniciada em 2006 no
Nordeste do Brasil, ilustra algumas das dificuldades que rondam os projetos.
Com
conclusão prevista para 2010 a um custo de cerca de US$ 1,8 bilhão, a ferrovia,
que deveria se estender por mais de 1.600 quilômetros, agora deverá ter um
custo de pelo menos US$ 3,2 bilhões. Autoridades dizem que ela será concluída
por volta de 2016, porém, com os canteiros de obras abandonados devido a
auditorias e outros reveses, até mesmo esse prazo parece otimista.
"Ladrões
estão roubando metal nos canteiros de obras", disse o eletricista Adailton
Vieira da Silva, 42, que trabalhou com milhares de operários até a paralisação
da obra no ano passado. "Agora só há essas pontes no meio do nada." O
ministro dos Transportes no Brasil, César Borges, mostrou-se desesperado com os
atrasos na obra da ferrovia, que é necessária para escoar a soja até os portos.
Ele
mencionou as fontes de burocracia que retardam os projetos: o Tribunal de
Contas da União; a Controladoria-Geral da União; o Ibama; o Iphan; agências que
protegem os direitos dos povos indígenas e dos quilombolas; e o Ministério
Público. Lula, que supervisionou o início da obra da Transnordestina há oito
anos, foi franco sobre o papel do Partido dos Trabalhadores (PT), que outrora
era a oposição no Congresso, em relação aos atrasos. "Nós criamos uma
máquina de supervisão que é a maior do mundo", disse. "Quando você
está na oposição, quer criar entraves para os que estão na administração, mas
esquece que um dia poderá estar no poder", concluiu.
Simon Romero – jornalista americano, chefe do
escritório no Brasil do jornal New York Times.
Fonte: suplemento NYT do jornal Folha de São Paulo