O que são as criptomoedas?


Ao longo da história, o dinheiro assumiu diversas formas até chegar ao papel.

Tão logo o desenvolvimento da agricultura e da tecnologia permitiu a produção de excedentes, as sociedades humanas começaram a permutar bens, trocando o que têm em excesso por aquilo de que carecem.Inicialmente usamos a troca direta, mas isso é muito ineficiente: na maioria das vezes em que duas partes se encontram, o que uma tem a oferecer não interessa à outra. Para resolver esse problema, inventamos uma de nossas ficções mais influentes e estranhas: o dinheiro.


Israelense segura uma representação visual da criptografia digital Bitcoin, na loja "Bitcoin Change" na cidade israelense de Tel Aviv

Dinheiro pode assumir formas diversas pelo mundo: conchas, sementes, sal (de onde acha que vem a palavra “salário”?), plaquinhas de metal, pedaços de papel, até bits digitais. 

Ao longo da história acreditou-se que moedas valiam o metal com que eram feitas e, mais tarde, que papel-moeda tinha que estar lastreado em reservas de ouro ou prata, de modo que qualquer um pudesse trocar suas notas pelo valor em metal quando desejasse. Essa ilusão evaporou no início do século 20: dinheiro não precisa ter valor em si mesmo.

Mas é absolutamente necessário que seja confiável: o que confere valor ao dinheiro é a confiança dos usuários de que poderão convertê-lo em bens valiosos quando desejarem. É por isso que a falsificação e outros atentados à integridade da moeda são punidos com tanta severidade, e que o funcionamento do dinheiro sempre exigiu a existência de autoridades emissoras e reguladoras (bancos centrais). Isso está mudando, e o mundo financeiro nunca mais será o mesmo.

Em novembro de 2008, foi publicado na internet um artigo em que uma misteriosa pessoa ou entidade, autonomeada Satoshi Nakamoto, apresentava um novo tipo de moeda, com características revolucionárias: a bitcoin. A bitcoin é um exemplo de criptomoeda, pois não tem suporte físico, consiste meramente de informação mantida na nuvem. Muitas outras surgiram posteriormente e se popularizaram rapidamente.

Seu aspecto mais inovador (e perturbador) é que criptomoedas não são emitidas por nenhuma entidade financeira, e não estão sujeitas a qualquer agência reguladora. O próprio sistema está desenhado de modo a garantir a confiança na moeda, impedindo falsificações e outros atos ilícitos. Como isso é feito?

A resposta contém três elementos principais: “blockchain”, validação de assinaturas e mineração. Todos usam matemática de modo essencial e estou certo de que ainda serão relevantes quando a bitcoin tiver virado história. Discutirei cada um na próxima semana.

Como funciona a bitcoin?

O sistema foi criado para garantir a integridade da moeda de forma automática

Em 2010, depois de ter dado a partida numa ideia revolucionária –a bitcoin– o misterioso Satoshi Nakamoto sumiu sem deixar rastros: nem sequer sabemos se se trata de uma pessoa ou de um grupo.

Nem isso, nem os alertas quanto ao perigo deinvestir numa moeda tão intangível impediram a bitcoin (e outras criptomoedas) de se tornarem um fenômeno de popularidade: seus usuários atualmente contam-se pelos muitos milhões. E a nova moeda teve

O bitcoin foi criado em 2009 por Satoshi Nakamoto (um codinome, que ninguém sabe quem é de fato). A ideia original era substituir as moedas centralizadas, evitando a intervenção de governos Reuters

O sistema da bitcoin foi desenhado para garantir a integridade da moeda de forma automática, sem uma organização responsável. Ele tem três elementos críticos, todos fortemente baseados em matemática: “blockchain”, validação de assinaturas e mineração.

A ideia de blockchain (cadeia de blocos) é que todas as transações estão registradas no sistema e acessíveis a qualquer usuário, praticamente em tempo real. São agrupadas em blocos de cerca de mil transações cada, organizados sequencialmente. Assim, todo usuário pode saber o saldo de bitcoins de qualquer outro. No entanto, a privacidade é total, pois os usuários são identificados por um código.

Todas as transações são validadas por assinatura digital. É usada criptografia de chave pública, em que cada usuário tem duas senhas: uma privada, que usa para “assinar” suas transações, e outra pública, que os demais podem usar para confirmar que a assinatura é válida. O método está baseado no fato de que certas operações matemáticas são muito mais fáceis de fazer do que de desfazer: neste caso, a matemática vem da chamada teoria das curvas elípticas.

Também é necessário impedir que alguém passe “cheques sem fundos”, gastando o mesmo dinheiro em várias operações quase simultâneas. Isso envolve um dos aspectos mais curiosos do sistema: transações em bitcoins não são validadas imediatamente, vão para uma lista de pendências. É aí que entram os mineradores, usuários cuja função é verificar as transações e criar novos blocos que, uma vez acrescentados à cadeia, não poderão mais ser modificados.

O trabalho dos mineradores é pago: 12,5 bitcoins por bloco atualmente, mas o valor irá diminuindo. São cerca de 1.800 bitcoins (144 blocos) “mineradas” por dia. Essa é a única forma de criar bitcoins. Já foram minerados 18 milhões de bitcoins – Nakamoto estabeleceu um limite de 21 milhões – restam menos de 3 milhões para garimpar...

Marcelo Viana - diretor-geral do Instituto de Matemática Pura e Aplicada, ganhador do Prêmio Louis D., do Institut de France.

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