Uma pessoa bêbada tira qualquer um do sério; somos
manipuladoras.
Como tratar alguém
no auge do alcoolismo ativo? No meu caso foi com firmeza, sem passarem a mão na
minha cabeça
Você está ficando vermelha, Alice. "Não é
nada, pai, é o sol que está batendo na minha cara." Mentira. Naquele dia,
minha irmã tinha me deixado sozinha com meu pai durante o auge do meu
alcoolismo. Foi a primeira e última vez.
Eu aproveitei, mesmo tomando antietanol —aquele remédio que
impede o corpo de metabolizar o álcool e por isso provoca reações na pele se o
ingerimos—, e roubei umas garrafinhas de vodca do restaurante em que estávamos.
Ia ao banheiro e virava uma de cada vez, de uma só vez.
Na hora de pagar, meu pai notou as diversas
garrafinhas incluídas na conta. Eu não tinha enganado nenhum garçom.
Ele ficou
uma fera —talvez a única vez na vida em que vi meu pai furioso comigo. Quase me
deu um tapa, tamanha a decepção. Mas me levou para casa e me pôs na cama. E
começou a rezar.
A bebida era coisa do demônio, ele pensava, talvez porque
carregasse alguma culpa por ter sido um alcoólatra feroz ao longo
da minha juventude.
Ele achava que minha doença tinha a ver com a dele.
Quando minha irmã chegou, ele implorou para que ela
não ficasse brava comigo. Um pedido inútil. Ela estava com ódio. Sempre reagia
assim nessas situações. E hoje eu entendo.
Ela entrou no quarto, abriu a janela com força e me
empurrou até o banheiro. "Vai tomar banho", disse. Eu não tinha
pagado a conta de luz, a água estava gelada.
"Não quero nem saber, vai
tomar banho de gelo se precisar". Ela nunca teve paciência com as minhas
bebedeiras. E não era só ela.
Tanto ela quanto minha mãe sempre foram duras comigo
quando eu estava nesse estado. Já me empurraram, já me trancaram no banheiro,
já me jogaram um balde de água fria, um BALDÃO mesmo. Nada de sopinha, banho
morno, cobertinha… Nada disso. Sempre foram firmes.
Ouvi coisas que tenho certeza que elas jamais me
diriam em sã consciência. Mas uma pessoa bêbada tira qualquer um do sério.
E eu
sei o quanto fui insuportável. Digo tudo isso porque às vezes me perguntam:
"Como tratar alguém no auge do alcoolismo ativo?". Sinceramente, no
meu caso, foi com firmeza. Com a força das duas: mãe e filha. Não dava para
passar a mão na minha cabeça.
Quando estamos doentes, somos manipuladores.
Sabemos usar o emocional de quem ama a gente. Sabemos pedir desculpas e
prometer mundos e fundos que sabemos que não vamos cumprir.
Uma amiga, outro dia, me mandou um post do
Instagram com uma cena entre a Heleninha Roitman e sua mãe na novela "Vale Tudo".
Os
comentários estavam divididos entre "que mãe horrorosa" e "ela
devia mesmo era levar uns tapas". É difícil. Eu nem me atrevo a aconselhar
como uma família deve lidar com um alcoólatra.
Mas posso contar a minha
experiência. E a verdade é essa: se tivessem me tratado com carinho e
condescendência o tempo todo, não sei se estaria viva hoje.
Claro que, na época, eu odiava o tratamento que
recebia. Dizia que era um "tratamento de choque". Mas foi o que me
fez cair na real. Foi o que me tirou do fundo do poço.
Elas me salvaram de
encrencas maiores, de perigos que hoje nem gosto de lembrar. Disso eu não tenho
dúvida nenhuma.
Cada empurrão, cada banho frio, cada grito, tudo isso, no fim
das contas, foi amor também. Um amor que, na hora, eu não entendia. Mas hoje só
posso agradecer.
ALICE S. – blog Vida de
Alcoólatra