A publicidade nativa (native advertising) é
a versão portuguesa de um jargão, muito popular na imprensa dos Estados Unidos,
que identifica matérias publicitárias disfarçadas de jornalismo, cada vez mais
frequentes na mídia impressa norte-americana, inclusive em grandes jornais
como The New York Times, The Washington Post e The
Wall Street Journal.
A estratégia é considerada um verdadeiro sacrilégio por
muitos jornalistas, mas, para os jornais, a publicidade nativa é a grande
solução para migração dos anunciantes para a internet. Para não serem acusados
de violar os códigos de ética do jornalismo, os jornais identificam as matérias
patrocinadas, mas o leitor dificilmente notará que está comprando gato como
lebre.
As matérias são diagramadas com o mesmo padrão das notícias
comuns e a identificação do patrocinador é feita com letra bem pequena, para
não chamar a atenção.
A proliferação de notícias e reportagens patrocinadas, mas que
se parecem matérias jornalísticas, já é uma tendência irreversível embora a
grande maioria dos jornais trate de minimizar o uso desSe recurso como fonte de
receita adicional. Trata-se de um estratégia de negócios vislumbrada há mais de
dez anos por David Ogilvy, um dos magos da publicidade mundial. “Não há
necessidade de um anúncio parecer um anúncio. Se ele parecer uma matéria
jornalística, atrairá mais 50 % de leitores” – é a frase de Ogilvy, citada por
Joshua Benton, do Nieman
Report.
Há inclusive projeções de que o mercado da publicidade nativa
atingirá algo como 4,6 bilhões de dólares anuais em 2017, apenas nos Estados
Unidos, onde esta modalidade de anúncio já foi incorporada ao departamento
comercial de grandes jornais como o The New York Times e The
Wall Street Journal. Um caso que está sendo observado intensamente pelos
críticos da mídia norte-americana é o do The Washington Post,
controlado por Jeff Bezos, dono da livraria digital Amazon e um dos
grandes milionários da internet mundial. É voz corrente que várias matérias
publicadas pelo Post fazem parte de estratégias comerciais e
publicitárias da Amazon, mas os leitores dificilmente percebem o limite
entre negócios e informação.
A questão da publicidade nativa vai além de uma mera estratégia
para aumentar receitas num momento de crise na indústria dos jornais. Ao que
tudo indica, ela está se transformando num modelo de negócios que altera
radicalmente os princípios éticos tradicionais no jornalismo. Durante
muito tempo, os profissionais da imprensa acreditaram que o noticiário era o
seu produto principal e os leitores, os seus clientes.
Mas a lógica econômica dos donos de jornais era outra: os
verdadeiros clientes eram os anunciantes, que garantiam as receitas; os
leitores eram o produto comprado pelos anunciantes e o jornalismo não
passava de uma ferramenta do marketing para fazer a ligação entre
leitores e publicidade.
O surgimento da internet mudou parcialmente esse esquema.
Os executivos de jornais continuam apostando no papel dos anunciantes como
grandes clientes e no público como a mercadoria a ser vendida. O problema é que
o jornalismo já não funciona mais como instrumento eficiente de marketing na
medida em que a Web criou uma relação direta entre o público e os anunciantes.
A publicidade nativa tenta recompor o esquema mediante uma transformação do
papel do jornalismo na sustentação financeira das empresas de comunicação
jornalística.
Originalmente, a função do jornalista era produzir notícias e
reportagens suficientemente fidedignas e atraentes para chamar a atenção do
público e, com isso, induzi-lo ver anúncios pagos. Agora, o jornalista passa
também a produzir publicidade que parece notícia, o que elimina uma etapa no
processo de atração do público.
A notícia
autêntica tende a tornar-se supérflua no novo esquema de negócios da
indústria dos jornais.
Essa situação aumenta consideravelmente a dificuldade do leitor
em separar o joio do trigo em matéria de notícias publicadas na imprensa. O que
já era difícil por conta das percepções individuais dos jornalistas e dos
interesses econômicos e políticos dos donos das empresas jornalísticas, agora
torna-se ainda mais complicado na medida em que o disfarce da publicidade na
forma de notícia passa a ser uma norma institucional.
A relação entre os jornalistas e as indústrias da comunicação
entra numa nova fase, em que os padrões éticos e profissionais já não são mais os
mesmos.
Carlos
Castilho – jornalista, professor, autor.
Fonte:
site Observatório da Imprensa