Relações e cuidados à distância
Em
diário, médica conta que no início resistiu às teleconsultas.
Tudo está diferente desde que começou a pandemia.
Vamos nos ajustando e nos reinventando com a necessidade de manter um
distanciamento físico, achando modos de estar perto mesmo estando longe.
A
medicina não escapou disso. Muitos pacientes, com medo de se expor em clínicas
e hospitais, começaram a optar pela consulta por telemedicina.
E muitos
profissionais tiveram que aprender este novo modo de atendimento. Fui um deles.
Não montei um consultório virtual, mas gradualmente
vi meu telefone sendo preenchido por um monte de solicitações. Confesso que no
início resisti bastante à ideia.
Gosto de ver o paciente desde o momento em que
ele levanta para vir até o consultório.
Antes mesmo do “bom dia”, estou
espiando o modo de caminhar, a postura, a expressão facial. O exame clínico
para mim é sagrado.
Conseguir auscultar, mobilizar, apalpar, sentir cheiros,
ver cores, perceber a reação quando pressiono segmentos anatômicos ...
Como
fazer isso pela tela do celular?
É o desafio de superar o que nos foi ensinado por
anos como sendo parte essencial do exercício médico.
Mas, na limitação, surgem
as novas habilidades. Perceber o nível de cansaço pela fala do paciente, aguçar
os olhos para perceber fácies que acendem sinais de alerta, ensinar o uso de aparelhos como o oxímetro, entender os
hábitos de comunicação do doente.
Aqueles que sempre mandam mensagem antes de
ligar, quando fazem diretamente uma chamada dizendo que estão piorando me
causam uma preocupação especial (e geralmente com razão).
A modificação no modo de interagir precisa abarcar
o fortalecimento do vínculo médico-paciente, o pacto de confiança.
O
atendimento à distância chega até um determinado limite. Quando a situação dá
indícios de que pode se agravar, precisamos do acordo claro de avançar para a
consulta presencial, para o exame clínico ao vivo, o suporte in loco.
É necessário
que as duas partes se comprometam no reconhecimento dessas limitações do
cuidado remoto.
Um dos aspectos da Covid que mais me surpreende é
como ela muda de padrão rapidamente.
O paciente está bem e avança para um
estado grave em pouco tempo. Recebo pessoas que estão conversando, andando
sozinhas, porém com uma saturação baixíssima.
Ou pacientes compensados,
aparentemente num quadro apenas moderado.
E quando abrimos os exames, surpresa!
Pulmões muito comprometidos, outros órgãos começando a entrar em disfunção.
Não
dá para ficar esperando em casa quando as luzes de alerta estão todas piscando.
E aí está mais uma habilidade que precisa estar muito desenvolvida: reconhecer
esses alarmes à distância.
Por felicidade (ou simplesmente seguindo a estatística
de que cerca de 80% dos casos de Covid se resolvem na forma leve), a maioria da
minha lista de teleconsultados não precisou de hospitalização.
Uma parte
precisou de internação e já teve alta (ou está perto de voltar para casa). E,
tristemente, alguns não poderei abraçar de novo.
Fernanda Wendel - médica com residência de Medicina de Família e
Comunidade, atua como socorrista do Samu e em pronto-socorro de São Paulo
Fonte: coluna jornal FSP