Espiritualidade ajuda no bem-estar de mulheres
durante tratamento de câncer de mama
- Em
pesquisa do A.C.Camargo 91,9%, das pacientes dizem que fé contribuiu
positivamente no processo
- Conexão espiritual ativa
mecanismos cerebrais que ajudam no enfrentamento da doença
A
fé, manifestada na religião ou em qualquer outro tipo de espiritualidade, serve
de apoio a pacientes oncológicas para amenizar o sofrimento e lidar com um
futuro incerto.
Em
um estudo realizado pelo A.C.Camargo Cancer Center, ainda em processo de
publicação, 91,9% das pacientes afirmaram que a fé contribuiu para o bem-estar
durante o tratamento.
Para elas, a conexão com um ser espiritual também ajudou
a suportar o estresse.
Desde 2003, a OMS (Organização Mundial da Saúde) reconhece a
espiritualidade como um dos pilares da saúde: um equilíbrio biológico,
psicológico, social e espiritual.
É importante diferenciar o espiritual do
religioso — para a ciência, a religião é uma manifestação da espiritualidade.
Regina Maria Paschoalucci Liberato,
psico-oncologista, explica que a ligação entre espiritualidade e saúde se
baseia nos sistemas psicológicos de enfrentamento e ajustamento, ativados pelo
cérebro diante de uma situação adversa.
O primeiro simboliza os recursos usados
para lidar com o problema — neste caso, a doença. O segundo diz respeito à
capacidade de adaptação.
Segundo a psicóloga, esses sistemas podem ser
funcionais ou disfuncionais. Há crenças que dificultam a adesão e a
continuidade do tratamento, enquanto outras funcionam como impulso para seguir.
Para Liberato, a espiritualidade traz a
possibilidade de transcendência —a conexão com algo além do humano, que dá
sentido à existência.
"A esperança e a fé, aspectos ligados à
espiritualidade, envolvem acreditar em algo além do natural, do palpável. E
essas possibilidades ajudam muito a continuar", diz Paschoalucci.
Pacientes com espiritualidade mais desenvolvida
costumam apresentar maior resiliência durante o tratamento, além de perceberem
perceber que a vida não é dirigida apenas pelo câncer.
A psicóloga diz: "Pode-se estar
doente e, ao mesmo tempo, continuar vivendo bem".
Fabiana Makdissi, médica mastologista e líder do
Centro de Referência de Tumores da Mama do A.C.Camargo Cancer Center, diz que
pacientes espiritualizadas refletem mais sobre questões como "Quem sou
eu?", "De onde vim?", "Para onde vou?", "Qual o
meu papel no mundo?" e "O que posso deixar de legado?" do que
aquelas que não são.
Esses questionamentos, segundo ela, levam as
pacientes a pensarem no futuro pós-câncer e nas possibilidades que
virão, como a reinserção no mercado de trabalho e a a retomada da
vida social por completo.
Makdissi defende que médicos conversem sobre a
dimensão espiritual com suas pacientes, já que elas manifestam essa vontade.
"Elas querem isso. Toda vez que você lê um estudo científico sobre as
demandas das pacientes, a espiritualidade, a religiosidade, a sexualidade e a
fertilidade aparecem entre os principais temas", diz.
A oncologista diz acreditar em uma medicina que inclui fé e espiritualidade, baseada em
evidências e respeitando as crenças dos pacientes.
Pessoalmente, ela diz que confia no poder da fé:
"Quando a gente acredita que algo vai dar certo, é como se criasse uma
onda de energia para que tudo realmente aconteça."
A possibilidade de ressignificar a doença é outro
ponto destacado por Ana Laura Schliemann, especialista em psicologia da saúde.
"Já tive muitas pacientes que aceitaram a retirada da mama como uma
salvação. Acreditavam que Deus estava sendo bondoso, que havia tirado um seio,
mas não, a vida delas."
Sem ter como escapar dela, a espiritualidade também
é aliada na hora da morte. "Toda religião dá um significado à
morte — como passagem, como encerramento de uma etapa, como reencarnação.
Lidando bem com o sofrimento, é possível ter uma boa morte", diz a
psicóloga.
LUÍSA
MONTE – jornal FSP