Oxxo, praga urbana que desfigurou São Paulo


Oxxo, praga urbana que desfigurou São Paulo

As esquinas, que antes tinham padarias e botecos, agora têm lojas de conveniência sem posto de gasolina e sem alma

Para voltar da escola, eu pegava às vezes o Pinheiros-Sacomã, às vezes o Pompeia-Ipiranga. Descia na Lins de Vasconcelos, quase na frente da caixa d’água da Sabesp.

Na esquina da Coronel Diogo, havia uma padaria chamada Santa Mafalda. Não era uma boa padaria. Era daqueles lugares que vendiam pão medíocre e reunia todos os aposentados desajustados da quadra.

Os velhos da cachaça, os velhos da jogatina, os velhos que simplesmente não suportavam passar a tarde inteira na própria casa. Todo bairro tem um ímã de aposentados em alguma esquina.

Eu descia do ônibus, encostava no balcão da Santa Mafalda e pedia uma fatia de pizza e uma coca.

Era uma pizza bem mais ou menos, mais para menos do que para mais. Mas se tornou uma espécie de ritual para os dias em que o colégio estendia as aulas até depois do almoço.

Comia uma fatia de pizza e descia para casa, onde desabaria no sofá para dormir com a TV ligada.

Num domingo desses, encasquetei de ir de ônibus para a casa da minha mãe.

Foi com alguma dor e nenhuma surpresa que constatei: a padaria dos delinquentes senis virou um Oxxo.

Se você não vive em São Paulo, talvez não saiba do que estou falando. Oxxo é uma praga que desfigurou a cidade, que aniquila o comércio familiar com seus letreiros vermelhos e amarelos.

Oxxo é uma loja de conveniência sem posto de gasolina. Alguns pontos funcionam 24 horas por dia, para quando bate aquele desejo irrefreável de comer Baconzitos às 3 da madrugada.

Padaria, mercearia, boteco, lavanderia, sapataria, por quilo, biqueira, tudo vira Oxxo em São Paulo. É uma transformação que acontece na surdina. 

Hoje tá lá o seu Zé com a lojinha, amanhã a porta tá baixada, depois de amanhã surge do nada um Oxxo.

Num raio de cinco quadras da minha casa, deve haver uma dúzia de Oxxos.

Os caras que sondam imóveis para o Oxxo têm faro carniceiro para comerciantes em dificuldades.

O Tião dorme decidido a fazer um empréstimo para pagar o aluguel e acorda com um Oxxo onde era o seu bar.

Sem piada, o Oxxo é uma ameaça concreta à paisagem urbana e à diversidade do comércio paulistano.

Não tem mais casa do norte, não tem mais mercadinho chinês, não tem mais quitanda, não tem mais ponto de jogo do bicho. É tudo Oxxo, árido, vazio, sem alma.

A questão não é a qualidade dos produtos à venda. 

Sei que a venda do João só tem porcaria, do picolé de açúcar com corante à salsicha de carne-surpresa.

O Oxxo vende as mesmas porcarias, mas sem o João. 

Fica lá um funcionário que vai ser outro na semana que vem porque deve ser um emprego tenebroso. Se o cara vai ao banheiro, precisa fechar a loja por dez minutos.

A comunidade está sendo devastada pelo Oxxo e seus similares. Não tem como pedir fiado, não tem como abrir conta, não tem papo furado sobre se vai chover ou fazer frio. O diálogo se resume a "insere ou aproxima".

Pior: os aposentados que não suportam ficar em casa não têm mais uma curva de rio para encalhar.

MARCOS NOGUEIRA - cozinheiro amador, o jornalista Marcos Nogueira aborda a gastronomia de forma crítica e original.

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