Endividamento
das famílias não ocorre simplesmente pela gastança desenfreada
A autorização do Conselho Monetário Nacional (CMN) aos
bancos para reduzir o limite do cartão de crédito dos seus clientes antes de 30
dias de prazo me fez relembrar o projeto de lei 3515/2015. Ele visa à alteração
do Código de Defesa do Consumidor (CDC) e do Estatuto do Idoso para evitar o
superendividamento dos cidadãos. Mas PL está parado na Câmara dos Deputados.
Embora mais de 60 milhões de brasileiros estejam
endividados, combater este grave problema não parece urgente para os
legisladores.
Os
projetos de atualização do CDC começaram a tramitar em 2012, a partir de
anteprojeto de juristas liderados por Herman Benjamin, ministro do Superior
Tribunal de Justiça (STJ). Ele foi um dos autores do CDC, uma das melhores
legislações consumeristas do mundo.
Cartões de crédito –
O
endividamento das famílias, ao contrário do que se possa imaginar, não ocorre
simplesmente pela gastança desenfreada dos brasileiros. Além de imprevistos
nada raros – desemprego, perda de poder aquisitivo, doenças graves – há todo um
sistema que incentiva o crédito para movimentar a economia.
Isso
ocorreu fortemente entre 2003-2016, sob a alegação de que geraria vendas,
produção, empregos e arrecadação. É verdade, mas como crédito não é sinônimo de
renda, um dia as pessoas têm de pagar as contas, com ou sem dinheiro
disponível.
Surgiram,
nos últimos anos, algumas providências para enfrentar as dívidas no cartão de
crédito, maior fonte de endividamento. O crédito rotativo passou a ter limite
de 30 dias. Depois disso, tem de ser quitado integralmente. Os bancos são
obrigados a parcelar o valor dos que não conseguirem pagar, com outra linha de
crédito, a juros mais baixos.
Desde
junho último, cada banco pode definir o percentual de pagamento mínimo do
rotativo (antes, era 15%).
A
autorização do CMN, cabe explicar, também pretende reduzir o endividamento,
quando o perfil de risco de crédito do cliente piorar rapidamente.
Espero,
sinceramente, que governo algum volte a usar o crédito indiscriminadamente para
mover as engrenagens da economia. É uma medida que, ao longo do tempo, provoca
grande endividamento e afeta negativamente a atividade econômica. Reduz o poder
de compra e acaba com a paz familiar.
Enquanto
o CDC não tiver nova regulamentação para o crédito ao consumidor e prevenção ao
superendividamento, há que redobrar a atenção ao orçamento doméstico, fugir das
compras por impulso e controlar o consumismo. Ou pagar muito caro por nossas
escolhas equivocadas.
Maria Inês Dolci - advogada especialista em direitos do consumidor, foi
coordenadora da Proteste (Associação Brasileira de Defesa do Consumidor).
Fonte: coluna jornal FSP