Massa bruta primeiro, pensante depois
Estudo
aponta que mamíferos pós-apocalípticos primeiro aumentaram de tamanho do corpo
e só alguns milhões de anos depois passaram a ter cérebros maiores
Nós, humanos, adoramos histórias sobre origens.
Cada religião e cultura diferente têm a sua sobre a origem do universo, da
Terra, da vida, do ser humano.
Até os personagens da Marvel têm histórias de origens, que rendem
filmes multimilionários, inclusive repetidos em universos paralelos porque
senão a Sony perde os direitos sobre o Homem-Aranha —perdão, eu digressiono.
Como viemos parar aqui é uma daquelas perguntas da
biologia que não viram filme multimilionário, mas hoje em dia há boas chances
de virar série pseudo-documental, sobretudo com a facilidade dos efeitos
especiais de computação gráfica que podem recriar épocas da vida na Terra sobre
as quais só sabemos por fósseis.
Fósseis são restos mortais de criaturas que viveram
ao menos dez mil anos atrás, e, em geral, há vários milhões de anos, em outras
eras geológicas (menos que isso, o resto se chama apenas cadáver, mesmo). Em
algum lugar no meio desses fósseis estão os restos dos nossos ancestrais.
O estudo de fósseis pela Paleontologia é a versão mais extrema, e
extremamente interessante, das investigações do tipo "CSI: True
Crimes" dos tempos modernos, onde se tenta reconstruir toda a vida do
morto a partir do que restou dele.
Como nas séries de TV, cada vez mais high-tech,
também a paleontologia ganha com a modernidade.
O uso da tomografia computadorizada em crânios
fósseis, por exemplo, acaba de gerar um novo marco em nossa história da vida no
planeta.
Ornella Bertrand e Stephen Brusatte, da Universidade de Edinburgo,
na Escócia, e seus colegas publicaram na revista
Science um estudo com 124 fósseis de ancestrais de mamíferos, incluindo 34
exemplares novinhos dos primeiros milhões de anos pós-extinção dos dinossauros.
Assim como uma nova evidência que muda o rumo da
investigação no seriado, os 34 novos fósseis iluminam a cena
"imediatamente" pós-cometa-apocalíptico-que-destruiu-os-dinossauros
com uma revelação inusitada.
Até então, todas as histórias sobre a origem
dos mamíferos, como nós, começavam com mamíferos pequeninos, que escaparam
tanto aos dinossauros quanto à sua extinção catastrófica, e em seguida
aumentavam em tamanho de corpo e cérebro ao mesmo tempo.
A lógica era que
animais maiores levam vantagem ao se tornar cada vez mais predadores, e não
presa —e um corpo maior deve precisar de um cérebro maior.
Os novos fósseis, contudo, mostram claramente que os mamíferos
pós-apocalípticos primeiro aumentaram de tamanho do corpo —e só alguns milhões
de anos depois passaram a ter cérebros maiores.
Corpo e cérebro, portanto, não mudam necessariamente juntos em
tamanho. "O aumento do tamanho do cérebro foi produto de competição cada
vez mais acirrada entre animais maiores", propõem os autores.
Eu discordo.
"O cérebro aumentou de tamanho porque pôde, conforme a vida ficou mais
fácil com um corpo maior", proponho eu.
Quem tem razão? Eis mais um caso para minha agência de detetives
—digo, laboratório...
SUZANA HERCULANO-HOUZEL - bióloga e neurocientista da Universidade Vanderbilt
(EUA).