O
brasileiro José Duarte viveu na China por seis anos: o que ele tem pra nos
contar?
Como foi viver, trabalhar, se
divertir e conhecer ‘por dentro’ a China? Este país que tem sido alvo de tanta
desinformação? O mineiro José Duarte revela nesta entrevista.
Ana Claudia Vargas
Quando a pandemia começou, em 2020, uma das piores consequências
_ para além da assustadora questão sanitária _ foram os muitos boatos que
atiçaram os preconceituosos em relação à China.
Na época, houve uma avalanche
de tais notícias falsas, de teorias falsas inventadas pelo ‘batalhão’ de fake
news que povoa a internet, que ‘diziam’ que o coronavírus era uma
‘invenção chinesa’, entre outras ‘coisas’ que nem vale
a pena relembrar aqui, pois o foco desta matéria é, simplesmente, mostrar a
visão de um profissional brasileiro que trabalhou na China e tem muito a
revelar sobre o país, seu povo hospitaleiro e sua cultura milenar riquíssima.
Este profissional é o geógrafo José Duarte, 45 anos, que
como gerente comercial de uma multinacional espanhola do setor têxtil, viajou
para diferentes lugares representando a empresa.
Por ser apaixonado pelas
diferentes culturas e se
interessar muito pelas relações político-econômicas entre os povos, suas
observações sobre o modo de vida dos chineses revelam que se trata de um país
de pessoas, sobretudo, trabalhadoras, e que colocam o ‘coletivo’ antes do
‘individual’.
Por ser o sexto filho de uma família camponesa do interior de
Minas Gerais, José cresceu atento e observador das questões ligadas ao trabalho
agrário e talvez, por isso, tenha tido uma percepção rara e distinta do
desenvolvimento do país que é fortemente baseado na agricultura.
Veja, a seguir, a entrevista que
José Duarte nos concedeu:
José, para começar, se apresente aos leitores do Portal Plena:
Sou José
Duarte, mineiro de Dores do Indaiá e cresci em uma família de camponeses.
Morávamos na roça e dela vinha nosso sustento que era construído com a
“contribuição” de todos. ‘Brincar menos e trabalhar mais’ era o lema.
Mas mesmo
com uma rotina intensa, encontrávamos tempo para brincar, sermos crianças e
sonhar acordados. Eu queria crescer, me formar na universidade e viajar por
muitos países.
Naquele momento, não tinha ideia de como aconteceria ou se
aconteceria, mas era meu sonho! Orgulhosamente, aos 23 anos conclui a
Universidade e fortalecido pelo conhecimento, fui em busca da realização deste
sonho de criança. Desde então, venho vivendo em diferentes países como
Inglaterra, Espanha, China e, agora, Chile.
Por que você foi para a China e quanto tempo morou lá?
Fui para a
China transferido para executar um projeto pontual da empresa em que trabalho.
Fomos bem sucedidos e acabei trabalhando lá por seis anos, de 2013 a 2019.
Comecei morando em Beijing por três anos e em Shanghai o restante do tempo. Durante este período, tive a oportunidade de viajar pelas principais cidades a
trabalho e pude conhecer bastante o país.
Antes
de ir, como se sentiu? Curioso, entusiasmado?
Uma mistura de medo,
curiosidade e alegria. Tinha medo, pois imaginava ser um país opressivo,
atrasado socialmente, onde pessoas viviam em condições sub-humanas e isoladas
do exterior. Alegria por estar entrando em um projeto novo, mudar de país,
seguir conhecendo e aprendendo.
Ao chegar, quais foram suas
primeiras impressões? Do que mais gostou, do que menos gostou?
Quando cheguei, de imediato
percebi que estava errado quanto à percepção que tinha das pessoas e o
desenvolvimento do país.
Gostei da grandeza e modernidade do que fui
encontrando, aeroportos modernos e inteligentes, ruas elevadas que
descongestionam as cidades, metrôs que funcionam com eficiência, trens de alta
velocidade por todo país, educação e saúde de boa qualidade para população.
A cultura local é muito diferente
da nossa? Você foi bem acolhido? Os chineses são simpáticos?
A cultura chinesa é bem
diferente da nossa. Seguramente encontramos pontos ou valores similares, mas a
maioria difere bastante. Vamos a alguns exemplos: mentir, no Brasil isto não é
bem visto, já na China é aceitável.
Para eles pode ser preferível mentir e
deixar a pessoa contente, momentaneamente, do que machucá-la com uma verdade
desnecessária naquela hoara.
– Casamento por Amor – “coisa
de adolescente inconsequente” diz a mãe de uma amiga minha chinesa. Para eles o
casamento é somente uma maneira de unir famílias com interesses comuns e
garantir sua própria existência e sucesso.
Nós somos de jogar pra Deus nossos desejos e sofrimentos.
Eles tomam toda a
responsabilidade como sendo somente deles e partem pra ação, enquanto nós
ficamos na intenção muitas vezes. Isto não os torna melhores nem piores que nós
brasileiros; ou que os americanos, espanhóis ou seja que povo for.
No fundo,
somos todos humanos com algo maior que nos conecta a todos. Quando vamos viver
e conviver com pessoas de culturas diferentes, se faz necessário aprender com
eles, respeitar seus valores; devemos ser gentis e estar abertos para trocar,
pois toda relação é uma troca, seja ela qual for.
Casualmente, somos cegados por
um patriotismo exacerbado e por falta de maturidade nos sentimos superiores que
os demais.
De verdade somos? Foi inexplicável o misto de emoções que
senti ao mudar e viver na China.
Os chineses são encantadores como pessoas e
bastante cordiais no dia a dia, mais ainda quando aprendemos seus costumes e
nos misturamos na sociedade, falando seu idioma e respeitando seus valores.
São
pessoas incríveis e farão o impossível para nos agradar se lhes “caímos bem”!
Em relação aos aspectos sociais
(abordagens, o lado social/profissional) o que mais chamou sua atenção?
Eles vivem num regime
socialista e isto significa que o bem comum é mais importante que o individual.
Isto está tão absorvido na cultura que uma pessoa casa com a outra sem amá-la,
mas fica feliz, pois sabe que suas famílias serão beneficiadas com a união.
Obras públicas acontecem em velocidade relâmpago, se comparadas ao Brasil. Isto
acontece pela eficiência e também porque sabem que a melhoria é para todos, a
sociedade se beneficia, então, não tem porque colocar dificuldade em deixar a
casa dos seus pais ser demolida para dar lugar a uma linha de trem ou qualquer
outra utilidade publica que possa ocorrer.
O bem da sociedade é mais importante que o bem do indivíduo!
Acredito que uns 95% da população do país só tenha acesso às informação
difundidas pelos órgãos do governo, ou seja, as informações são ajustadas de
acordo com a conveniência.
Sendo assim a população carece de um ponto de vista
diferente do governo e vive totalmente sobre uma perspectiva política passada
pelos meios de comunicação subordinados a ele. Então, já se sabe o que
acontece, não é?!
O resultado disto é um povo obediente, trabalhador e dedicado a
seu governo; pessoas que estão felizes vivendo os benefícios de viver em uma
economia que segue crescendo a números ‘gordos’ por décadas; que trabalha
insistentemente na melhoria da infraestrutura do país neste período; que passou
e vem passando por um processo de urbanização intensa com pessoas mudando
do campo para as cidades para dar apoio a constante industrialização.
Importante ressaltar que milhões e milhões de pessoas saíram da linha de
pobreza durante esse governo que vem colocando o seu país em uma posição de
relevância mundial acompanhado por uma mudança significativa no poder
aquisitivo da população Chinesa.
Não tem porque estarem contrariados ou
teriam?
O que vemos na mídia estando fora da China muitas vezes está
envolto em jogo político que tem maliciosamente a intenção de nos influenciar a
tomar partido.
Aqui me esforço a ser imparcial quanto à política e simplesmente
expressar o que vivi durante minha experiência no país. Você seguramente esta
pensando… “mas eles então são ovelhinhas?!”
A China vem passando por uma transformação notória que
repercute na sua economia externa e interna, tem tomado posição de liderança
mundial na maioria das categorias industriais e estão se preparando para ser a
economia número um do mundo e muito provável conseguirão, o que faz muitas
outras nações pelo mundo se sentirem “enciumadas”.
E profissionalmente? Dizem que os
chineses são muito comprometidos quando se trata de trabalho… Fale sobre isso.
Os chineses são muito comprometidos com seus líderes mais que com seus
trabalhos.
Quando estão com um chefe que gostam, eles não medem esforços para
se superar e impressioná-lo.
Gostam de “ficar bem na fita”. Somado a isto tem o
fato de que estão muito bem preparados e são muito competentes. Se eles gostam
de você como chefe, farão tudo para agradá-lo.
Você fez amigos lá? O que fazia
para se divertir?
Sim, fiz muitos amigos, tanto chineses como pessoas de outros lugares do mundo
que vivem lá.
Sempre fazemos coisas juntos na casa de um ou outro, também
saíamos para bares, clubes, visitar pontos turísticos, viajar pelo interior do
país etc.
Durante o tempo em que morou lá,
aconteceu algo desagradável ?
Foi um dos países onde me sentia mais seguro no meu dia a dia. As pessoas são
bastante educadas, a violência praticamente não existe, nunca fui roubado em
lugar algum e sempre caminhava a noite pelas ruas, metrô, táxi…
Nunca aconteceu
nada desagradável nestes seis anos.
Em contrapartida: o que os chineses
pensam sobre o Brasil? Você sofreu algum tipo de preconceito?
Chineses amam estrangeiros. “Laowai” significa estrangeiro em chinês e eles sempre
dizem esta palavra carinhosamente ou se direcionam a nós, ‘laowais’, com muita
simpatia.
Os amigos chineses fazem questão de nos levar nas suas casas, nos
apresentarem a seus pais e familiares. Também podem te parar na rua e pedir
para tirar uma foto com você, por sermos diferentes.
O
que você achou do boato de que a China ‘inventou o coronavírus’ e dessa
onda preconceituosa que alguns tentaram criar em torno dos chineses durante a
pandemia?
Todos os países foram afetados
pela pandemia e não vejo como a China poderia ter se beneficiado de tudo que
ocorreu desde então.
As doenças, pestes, pandemias sempre existiram, e com o
nosso estilo de vida “confinados e conectados” das grandes cidades elas podem
tomar a superfície da terra em muito pouco tempo como aconteceu com a Covid19.
Pelo contrário, ao invés de criar, eles estão investindo muito para conter a
epidemia e isto se nota nos resultados que conseguiram com o seu controle hoje
em dia.
Fonte: site portalplena