99 (ou 1 bilhão de) motivos para ficar (ainda mais) otimista com tecnologia em 2018


O que a compra da 99 representa para você, empreendedor, e para o mercado de startups neste ano que está só começando?

Lembro bem de uma empresa chamada Tesla. Não a do Elon Musk que vocês conhecem hoje. Uma que veio muito tempo antes. Lá atrás no inicio da “bolha da Internet”. A Tesla era uma empresa que produzia tecnologia estado da arte para quem quisesse colocar em prática seu projeto “ponto com”. Começou antes mesmo do que o Buscapé, empresa que eu co-fundei. Entre os fundadores da Tesla, alguns bons amigos como o Carlos Azevedo (de quem hoje sou investidor em sua start-up, a MarketUp) e o Paulo Veras.

Paulo Veras é um dos fundadores da 99 (ao lado do Ariel Lambrecht, do Renato Freitas, do CEO Peter Fernandes e todo o time), que fez uma saída espetacular neste inicio de ano: A 99 foi comprada por incríveis US$ 1 bilhão pela chinesa Didi.  Paulo tem ajudado a construir nosso ecossistema digital como poucos. Fundador de uma série de start-ups, tenho certeza que ele pode confirmar que empreender não é fácil como alguns imaginam. Que fracasso faz parte do dia a dia e que resiliência é imperativa. Além das diferentes iniciativas como empreendedor, Paulo foi Diretor Geral da Endeavor (uma ONG focada em mudar nosso País através do empreendedorismo) e depois Membro do Conselho da mesma instituição, onde tive a oportunidade de dividir a mesa com ele. Como uma vez disse Steve Jobs, a gente só entende um fato que acontece agora olhando para trás e vendo os pontos se conectando. A história da 99, a história do Paulo Veras e a história dos demais fundadores se fundem conectando estes pontos. Gostaria de oferecer um pouco da minha visão otimista do que vem pela frente para nós, empreendedores, colaboradores e investidores do mercado de tecnologia e inovação brasileiro.

Setembro de 2009 entrou para história do empreendedorismo verde-amarelo como a primeira vez que uma startup brasileira completou totalmente o ciclo de financiamento por estágios. A notícia da compra do Buscapé pela Naspers por um valuation, na época, de US$ 374 milhões escancarou as portas ao capital de risco no país. Completar o ciclo, explico, nada mais é que finalmente devolver o dinheiro para os investidores que apostaram na companhia. A famosa “saída”. No financiamento por estágios, uma startup levanta várias rodadas de capital. Desde a infância até sua maturidade. O empreendedor experiente angaria em cada rodada recursos suficientes para resolver um grande problema na empresa. Cada vez que um risco é eliminado, suas chances de sucesso são maiores e, consequentemente, seu valor aumenta. Na medida em que uma startup cresce, os tamanhos dos problemas e os valores dos cheques também aumentam proporcionalmente. Quando o negócio ainda é pequeno, normalmente o crescimento é mais importante que o lucro. Desde que, claro, aconteça de forma saudável.

O Buscapé realizou 5 rodadas de capital. A quarta foi considerada sua saída, quando a Naspers adquiriu 91% da empresa. A quinta e última ocorreu com a venda final dos 9% pelos fundadores para Naspers (por um valor não revelado). O Buscapé, portanto, se tornou a primeira startup brasileira a fazer financiamento por estágios que conseguiu alcançar um exit no primeiro ciclo do digital brasileiro, que ocorreu por 7 meses entre 1999 e 2000, quando as primeiras startups de Internet receberam capital de risco no País.

Confira as diversas rodadas de investimento que o Buscapé recebeu:

De 2009 pra cá, poucas saídas de startups foram divulgadas. Isso porque o primeiro ciclo do digital foi muito curto; de apenas 7 meses. Netshoes, que também é uma startup do primeiro ciclo, fez o primeiro IPO de uma startup brasileira na Bolsa de Nova Iorque (NYSE) no ano passado. Agora, chegou a vez de uma startup do segundo ciclo do digital a fazer sua saída gloriosa com a venda da 99 para Didi Chuxing. Celebremos nosso primeiro unicórnio!

O segundo ciclo do digital brasileiro começou em 2010, não por acaso depois da compra do Buscapé, e segue crescendo até hoje de forma consistente. São 7 anos (2010-2017) de investimento contínuo no ecossistema de inovação contra 7 meses (1999-2000) na época pré-estouro da bolha. Toda vez que investidores percebem ter a chance de realizar seu investimento alcançando um bom retorno, a balança das forças que regem os investimentos se reequilibra. São duas forças que controlam o fiel dessa balança: o medo e a ganância. Se diminuir um pouco o medo, ou se aumentar um pouco a ganância, o fluxo de capitais aumenta; no sentido contrário, diminui.

Tão simples quanto.

A “saída”, e isto é fabuloso, é um dos raros eventos que mexe com as duas forças ao mesmo tempo: a liquidez diminui o medo, enquanto o alto retorno aumenta a ganância. Entre a primeira rodada e sua saída, as ações do Buscapé se valorizaram 300 vezes. E a valorização, no caso, se confirmou em dinheiro de verdade (e não apenas no papel) no bolso dos investidores. O resultado? Mais gente acreditando que é possível ganhar dinheiro com startups. E mais investimento no ecossistema. A aclamada profecia autorrealizável. Movidos pela sede de escrever o futuro, o segundo ciclo se iniciou em 2010 pelas mãos de jovens inspirados querendo empreender, apoiados por investidores-anjo, que não batiam asas desde os remotos tempos do bug do milênio, e pelo inédito fortalecimento do mercado de Venture Capital, quase inexistente antes, em busca de seus retornos obscenos em um mercado emergente.

Verdade seja dita, loucos desbravadores brasileiros já apostavam em diferentes formas de Venture Capital para tecnologia desde a década de 80 e outros mais focados em Internet, desde o início dos anos 2000. Entre eles, veteranos como Carlos Kokron da Qualcomm Ventures (e antes Intel Capital) e Eric Asher da Monashees. Nada mais justo, são eles ao lado da Riverwood os investidores que apostaram na 99. E tiveram sua aposta muito bem recompensada.

 Basta uma faísca para que se faça combustão. E aquele otimismo foi, click a click, aplicativo a aplicativo, se tangibilizando num mercado sólido, pulsante e contagiante. Para que o leitor tenha uma ideia, hoje analisamos mais de 1,4 mil startups brasileiras diferentes por ano na Redpoint eventures. Mas o cínico e preparado investidor de fundos (que investem nos fundos de Venture Capital como o nosso) sempre nos desafiava: “E as saídas? OK... teve uma ou duas, mas são do primeiro ciclo. Quando vamos ver o dinheiro voltar? São 7 anos já...”. “Ainda é cedo. São 7 anos ainda...”, respondíamos eu e todos os meus valentes (e teimosos) colegas de Venture Capital. Agora a história muda. A venda da 99 não vem sozinha. Em breve, a PagSeguro fará um IPO que, ao que tudo indica, a colocará num patamar de valuation na casa dos R$ 20 bilhões (Wow!).

Confira aqui o documento depositado pela PagSeguro na SEC.

A Movile, empresa que tive a honra de acompanhar por 5 anos como Membro do Conselho e acionista minoritário, tem um candidato a unicórnio entre suas dezenas de bons investimentos: o iFood. E, podem acreditar, garanto que a lista é longa. A saída do Buscapé, e a promessa de novos “Buscapés”, ajudou a trazer mais de US$ 1 bilhão de dólares em capital de risco nos 7 anos seguintes à sua venda. Imagine que US$ 1 bilhão já retornou APENAS na venda da 99.  Hoje, o Brasil tem mais de 10 mil startups ativas (algumas estimativas apontam para 50 mil) e só cadastrados na ABStartups são 52 mil empreendedores. Nem todas serão PagSeguros, 99s ou Buscapés. E não precisam ser. Imagine o tamanho desse mercado se 1% destas startups tiver saída?

Para você que é empreendedor, 2018 não poderia começar com notícia melhor. Toda essa liquidez voltará ao ecossistema e será destinada a startups em estágios iniciais, criando um círculo virtuoso que irá atrair mais e mais capital. Para a 99, seus fundadores, colaboradores e seus investidores:

 

Romero Rodrigues -  sócio da Redpoint eventures, co-fundador do Buscapé, membro do conselho da Endeavor, da ABFintechs, da Wayfair (NYSE:W)

 

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