O que a compra da 99 representa para você, empreendedor, e para o
mercado de startups neste ano que está só começando?
Lembro bem de uma empresa chamada Tesla. Não a do Elon
Musk que vocês conhecem hoje. Uma que veio muito tempo antes. Lá atrás no
inicio da “bolha da Internet”. A Tesla era uma empresa que produzia tecnologia
estado da arte para quem quisesse colocar em prática seu projeto “ponto com”.
Começou antes mesmo do que o Buscapé, empresa que eu co-fundei. Entre os
fundadores da Tesla, alguns bons amigos como o Carlos Azevedo (de quem hoje sou
investidor em sua start-up, a MarketUp) e o Paulo Veras.
Paulo Veras é um dos fundadores da 99 (ao lado do Ariel
Lambrecht, do Renato Freitas, do CEO Peter Fernandes e todo o time), que fez
uma saída espetacular neste inicio de ano: A 99 foi comprada por incríveis US$
1 bilhão pela chinesa Didi. Paulo tem ajudado a construir nosso
ecossistema digital como poucos. Fundador de uma série de start-ups, tenho certeza
que ele pode confirmar que empreender não é fácil como alguns imaginam. Que
fracasso faz parte do dia a dia e que resiliência é imperativa. Além das
diferentes iniciativas como empreendedor, Paulo foi Diretor Geral da Endeavor
(uma ONG focada em mudar nosso País através do empreendedorismo) e depois
Membro do Conselho da mesma instituição, onde tive a oportunidade de dividir a
mesa com ele. Como uma vez disse Steve Jobs, a gente só entende um fato que
acontece agora olhando para trás e vendo os pontos se conectando. A história da
99, a história do Paulo Veras e a história dos demais fundadores se fundem
conectando estes pontos. Gostaria de oferecer um pouco da minha visão otimista
do que vem pela frente para nós, empreendedores, colaboradores e investidores do
mercado de tecnologia e inovação brasileiro.
Setembro de 2009 entrou para história do
empreendedorismo verde-amarelo como a primeira vez que uma startup brasileira
completou totalmente o ciclo de financiamento por estágios. A notícia da compra
do Buscapé pela Naspers por um valuation, na época,
de US$ 374 milhões escancarou as portas ao capital de risco no país. Completar
o ciclo, explico, nada mais é que finalmente devolver o dinheiro para os
investidores que apostaram na companhia. A famosa “saída”. No financiamento por
estágios, uma startup levanta várias rodadas de capital. Desde a infância até
sua maturidade. O empreendedor experiente angaria em cada rodada recursos
suficientes para resolver um grande problema na empresa. Cada vez que um risco
é eliminado, suas chances de sucesso são maiores e, consequentemente, seu valor
aumenta. Na medida em que uma startup cresce, os tamanhos dos problemas e os
valores dos cheques também aumentam proporcionalmente. Quando o negócio ainda é
pequeno, normalmente o crescimento é mais importante que o lucro. Desde que,
claro, aconteça de forma saudável.
O Buscapé realizou 5 rodadas de capital. A quarta foi
considerada sua saída, quando a Naspers adquiriu 91% da empresa. A quinta e
última ocorreu com a venda final dos 9% pelos fundadores para Naspers (por um
valor não revelado). O Buscapé, portanto, se tornou a primeira startup
brasileira a fazer financiamento por estágios que conseguiu alcançar um exit no primeiro ciclo do digital brasileiro, que
ocorreu por 7 meses entre 1999 e 2000, quando as primeiras startups de Internet
receberam capital de risco no País.
Confira as diversas rodadas de investimento que o
Buscapé recebeu:
De 2009 pra cá, poucas saídas de startups foram
divulgadas. Isso porque o primeiro ciclo do digital foi muito curto; de apenas
7 meses. Netshoes, que também é uma startup do primeiro ciclo, fez o primeiro
IPO de uma startup brasileira na Bolsa de Nova Iorque (NYSE) no ano passado.
Agora, chegou a vez de uma startup do segundo ciclo do digital a fazer sua
saída gloriosa com a venda da 99 para Didi Chuxing. Celebremos nosso primeiro
unicórnio!
O segundo ciclo do digital brasileiro começou em 2010,
não por acaso depois da compra do Buscapé, e segue crescendo até hoje de forma
consistente. São 7 anos (2010-2017) de investimento contínuo no ecossistema de
inovação contra 7 meses (1999-2000) na época pré-estouro da bolha. Toda vez que
investidores percebem ter a chance de realizar seu investimento alcançando um
bom retorno, a balança das forças que regem os investimentos se reequilibra.
São duas forças que controlam o fiel dessa balança: o medo e a ganância. Se
diminuir um pouco o medo, ou se aumentar um pouco a ganância, o fluxo de
capitais aumenta; no sentido contrário, diminui.
Tão simples quanto.
A “saída”, e isto é fabuloso, é um dos raros eventos que
mexe com as duas forças ao mesmo tempo: a liquidez diminui o medo, enquanto o
alto retorno aumenta a ganância. Entre a primeira rodada e sua saída, as ações
do Buscapé se valorizaram 300 vezes. E a valorização, no caso, se confirmou em
dinheiro de verdade (e não apenas no papel) no bolso dos investidores. O
resultado? Mais gente acreditando que é possível ganhar dinheiro com startups.
E mais investimento no ecossistema. A aclamada profecia autorrealizável. Movidos
pela sede de escrever o futuro, o segundo ciclo se iniciou em 2010 pelas mãos
de jovens inspirados querendo empreender, apoiados por investidores-anjo, que
não batiam asas desde os remotos tempos do bug do milênio, e pelo inédito
fortalecimento do mercado de Venture Capital, quase inexistente antes, em busca
de seus retornos obscenos em um mercado emergente.
Verdade seja dita, loucos desbravadores brasileiros já
apostavam em diferentes formas de Venture Capital para tecnologia desde a
década de 80 e outros mais focados em Internet, desde o início dos anos 2000.
Entre eles, veteranos como Carlos Kokron da Qualcomm Ventures (e antes Intel
Capital) e Eric Asher da Monashees. Nada mais justo, são eles ao lado da
Riverwood os investidores que apostaram na 99. E tiveram sua aposta muito bem
recompensada.
Basta uma faísca para que se faça combustão. E
aquele otimismo foi, click a click, aplicativo a aplicativo, se tangibilizando
num mercado sólido, pulsante e contagiante. Para que o leitor tenha uma ideia,
hoje analisamos mais de 1,4 mil startups brasileiras diferentes por ano na
Redpoint eventures. Mas o cínico e preparado investidor de fundos (que investem
nos fundos de Venture Capital como o nosso) sempre nos desafiava: “E as saídas?
OK... teve uma ou duas, mas são do primeiro ciclo. Quando vamos ver o dinheiro
voltar? São 7 anos já...”. “Ainda é cedo. São 7 anos ainda...”, respondíamos eu
e todos os meus valentes (e teimosos) colegas de Venture Capital. Agora a
história muda. A venda da 99 não vem sozinha. Em breve, a PagSeguro fará um IPO
que, ao que tudo indica, a colocará num patamar de valuation na casa
dos R$ 20 bilhões (Wow!).
Confira aqui o documento depositado pela PagSeguro na SEC.
A Movile, empresa que tive a honra de acompanhar por 5
anos como Membro do Conselho e acionista minoritário, tem um candidato a
unicórnio entre suas dezenas de bons investimentos: o iFood. E, podem
acreditar, garanto que a lista é longa. A saída do Buscapé, e a promessa de
novos “Buscapés”, ajudou a trazer mais de US$ 1 bilhão de dólares em capital de
risco nos 7 anos seguintes à sua venda. Imagine que US$ 1 bilhão já retornou
APENAS na venda da 99. Hoje, o Brasil tem mais de 10 mil startups ativas
(algumas estimativas apontam para 50 mil) e só cadastrados na ABStartups são 52
mil empreendedores. Nem todas serão PagSeguros, 99s ou Buscapés. E não precisam
ser. Imagine o tamanho desse mercado se 1% destas startups tiver saída?
Para você que é empreendedor, 2018 não poderia começar
com notícia melhor. Toda essa liquidez voltará ao ecossistema e será destinada
a startups em estágios iniciais, criando um círculo virtuoso que irá atrair
mais e mais capital. Para a 99, seus fundadores, colaboradores e seus
investidores:
Romero Rodrigues -
sócio da Redpoint eventures, co-fundador do Buscapé, membro do conselho
da Endeavor, da ABFintechs, da Wayfair (NYSE:W)