Em alguns procedimentos, é preciso
manter o paciente acordado.
Dagmar
Turner é no momento uma violinista muito famosa graças a sua recente
performance num palco inusitado: um centro cirúrgico, apropriadamente chamado
pelos ingleses de teatro de operações.
Com
a cabeça afixada a uma moldura rígida, que impedia qualquer tipo de movimento,
e seu cérebro exposto e sendo cutucado ao vivo e a
cores por seu cirurgião, Dagmar, de olhos fechados, tocou escalas e melodias ao
violino enquanto a equipe médica fazia comentários encorajadores. A cena,
verdadeiro espetáculo da ciência e tecnologia, é fácil de encontrar no seu
navegador favorito, cortesia de Dagmar e do hospital universitário da King’s
College, em Londres, onde a cirurgia aconteceu.
Cirurgias
já eram espetaculosas nos longos séculos pré-anestesia, mas por outras razões:
o paciente acordado, contido por amarras e exposto a um anfiteatro cheio de
ajudantes, médicos e observadores. Não é à toa que a anestesia geral é
considerada uma das maravilhas da medicina, geralmente no topo da lista, junto
com antibióticos.
Dagmar Turner, 53, toca violino durante remoção de tumor
no cérebro -
Também
não espanta que hoje em dia, dada a opção entre anestesia local ou geral, a
maior parte dos pacientes escolha anestesia geral. É uma opção confortável e
bastante segura, embora ainda não inócua; sob anestesia local, o risco de
sequelas ou danos inadvertidos é muito menor, e a recuperação mais rápida.
Partos
no mundo moderno são feitos assim, e boa parte das cirurgias abdominais também
poderia acontecer sob anestesia local, havendo acordo entre paciente e equipe
médica. No caso de algumas cirurgias do cérebro, contudo, anestesia local é
rotina necessária: quando se trata do órgão que faz e sonha, lembra e canta,
ouve ou imagina, de que outra forma o cirurgião poderia escolher quais
estruturas sacrificar ou evitar durante a remoção de um tumor?
O
truque é que o cérebro em si não precisa de anestesia, nem geral nem local.
Todas as sensações, agradáveis, dolorosas ou neutras, dependem de sinais
levados ao cérebro por nervos, que cobrem o corpo todo —menos o próprio
cérebro. Durante a neurocirurgia, cortar pele, osso e membranas, todos
inervados, requer anestesia; mas, uma vez o cérebro exposto, é possível acordar
o paciente para que ele ajude na própria operação.
A
cena cirúrgica de Dagmar é bem diferente das primeiras cirurgias graças a
gerações de cientistas, médicos e engenheiros. Com tudo o que já se aprendeu e
inventou, o cérebro de Dagmar já tinha sido mapeado por ressonância funcional e
operado em simuladores várias vezes antes da cirurgia, minimizando o tempo que
Dagmar passou acordada. Quem quer abrir mão disso?
Suzana Herculano-Houzel -
bióloga e neurocientista da Universidade Vanderbilt (EUA)
Fonte: coluna jornal FSP