Nova
abordagem pode tirar esse modelo de produção do seu confinamento
Não são muitos os filósofos que se aventuraram a tratar
do tema da tecnologia. No Ocidente, essa lista inclui Heidegger e Simondon e no
Oriente o brilhante Yuk Hui. A lista acaba de ser aumentada com a publicação do
novo livro de Roberto Mangabeira Unger, brasileiro que é professor de Harvard e
atua com frequência na prática da política brasileira —a chamado “A Economia do
Conhecimento”.
A tese de Unger é que o que chamamos de “economia do
conhecimento”, exemplificada pelo Vale do Silício, é um movimento confinado.
Surge apenas nas franjas de algumas poucas economias desenvolvidas. Apesar de
sua capacidade de gerar produtos globais e erodir mercados estabelecidos, a
prática propriamente dita da economia do conhecimento é restrita a um círculo
limitado de pessoas.
Apesar disso, seu valor instrumental é gigantesco. A
premissa é que a melhor forma de entender uma sociedade é olhar para sua forma
de produção mais complexa. No século XIX e boa parte do século XX, essa forma
mais complexa de produção foi a indústria, que gerou desenvolvimento e riqueza
para diversos países.
No mundo em que vivemos, a indústria não tem mais essa
capacidade. A economia do conhecimento a suplantou como a forma produção mais
complexa. Só que ela é incapaz de produzir as mesmas cascatas de
desenvolvimento que a indústria produziu. Ao contrário, caminha para se tornar
uma força excludente, eliminando postos de trabalho, aumentando a desigualdade
e erodindo o que sobrou das instituições e modos de produção que surgiram a
partir da industrialização.
Esse diagnóstico leva a um dilema. Unger aponta um
caminho a ser seguido: radicalizar a prática da economia do conhecimento,
fazendo com que seu confinamento seja rompido. No seguinte sentido: a economia
do conhecimento consiste no trabalho da imaginação. Ela permite organizar a produção
não só por meio de competição, mas também por meio de cooperação.
Além disso, ao contrário da indústria, não enfrenta
retornos marginais decrescentes, justamente porque a inovação e a disrupção são
partes inerentes desse modo de produção.
Em outras palavras, a economia do conhecimento pressupõe
que tudo seja reinventado o tempo todo. Unger acredita que a expansão da
economia do conhecimento para as práticas sociais permitirá tornar a mudança
normal, e não mais dependente de crises para ocorrer.
Aqui vale uma observação importante: a proposta de Unger
não tem nada a ver com um “salvacionismo tecnológico”. Sua proposta não é
expandir o Vale do Silício pelo mundo, o que seria desastroso e impossível. Sua
proposta é mais sofisticada: mudar a sociedade, incluindo educação, governo,
mercado, instituições, a partir dos modos de operação da forma de produção mais
avançada, simbolizada pela economia do conhecimento. Na visão de Unger,
gadgets, start-ups, redes sociais e outros “produtos tecnológicos” são o que há
de menos importante na economia do conhecimento. São só resultados de um
processo confinado, sendo que o importa de fato é o próprio processo.
Em um momento de percepção negativa crescente com
respeito à tecnologia, Unger propõe desprezar o corpo e deglutir apenas a alma
da economia do conhecimento. Oswald de Andrade iria gostar.
Ronaldo
Lemos - advogado, diretor do Instituto
de Tecnologia e Sociedade do Rio de Janeiro.
Fonte:
coluna jornal FSP