Estudo com 1.200 genomas mapeia diversidade da população brasileira


Foram sequenciadas e analisadas amostras de 1.247 voluntários; meta é chegar a 15 mil. 

A diversidade genética da população brasileira se equipara àquela encontrada no somatório de 54 populações espalhadas pelo mundo, apontam os primeiros resultados do projeto DNA do Brasil, que busca construir a maior coleção de genomas do país.

Após nove meses do lançamento da iniciativa, foram sequenciadas e analisadas amostras de 1.247 voluntários. A meta é chegar a 15 mil.

“A gente vai começar a ver o que é a população brasileira. Vários grupos vêm caracterizando-a ao longo do tempo —agora estamos no ombro de gigantes.”, afirma Lygia da Veiga Pereira, da USP, pesquisadora que comanda a iniciativa.

O sequenciamento envolve “soletrar” a sequência de “letras” (ou bases nitrogenadas, de quatro tipos: A, T, C e G) do genoma —ao todo são 3 bilhões delas por pessoa, o equivalente a um arquivo de 500 megabytes para cada sequenciamento.

“Mil e duzentos novos genomas sequenciados na Inglaterra não trariam novidades, mas aqui no Brasil foi possível ver 88% das variações observadas em 54 populações diferentes ao redor do mundo. Estou muito entusiasmada: com uma amostra pequena conseguimos ver o valor de se estudar a população brasileira. Aqui cada enxadada é uma minhoca!”, diz.

O estudo de referência foi feito com o genoma de 929 pessoas espalhadas pelo globo e foi publicado em março deste ano na revista Science. Os resultados brasileiros, de acordo com os pesquisadores, devem em breve ser submetidos para publicação em uma revista especializada.



Perspectiva

Com o conhecimento obtido, os pesquisadores esperam encontrar meios de prever e de tratar doenças com base no DNA da população brasileira de forma mais barata e efetiva.

 

Até então não havia um projeto nacional que reunisse todas essas informações, diz Pereira, apesar de iniciativas que investigam, por exemplo o genoma de idosos.

Segundo Tábita Hünemeier, que estuda o genoma de populações indígenas e que também está no projeto DNA do Brasil, as análises até agora mostram uma predominância de DNA mitocondrial (que é herdado da mãe) proveniente de populações africanas (36%) e nativas americanas (34%). Já a herança masculina (observada por meio do cromossomo Y), é 75% europeia.

A combinação dos dados revela que a miscigenação no Brasil se deu muito de forma assimétrica, com pouca oportunidade de homens de origem indígena deixarem descendentes, por exemplo.

Ainda assim, no estudo foram encontrados exemplos de pessoas com DNA totalmente de origem indígena, assim como outros totalmente de origem africana. Foram encontradas variantes genéticas provenientes de toda a África —norte, sul, leste e oeste.

Esse tipo de estudo, afirma Hünemeier, é uma oportunidade para entender quais porções de DNA índígena permanecem no povo brasileiro. Os índios da costa leste brasileira, que somavam 1,5 milhão de pessoas, foram praticamente exterminados. “Mas fragmentos dele sobrevivem nas pessoas, no DNA.”

A expectativa é que os dados de sequenciamento sirvam para encontrar variantes genéticas relacionadas a doenças, como a ataxia, que prejudica progressivamente o funcionamento do cérebro, o equilíbrio e a coordenação motora.

“Quando a gente faz uma análise de risco poligênico [ou seja, influenciado por muitos genes], conhecer a miscigenação é fundamental para o exame poder retornar o melhor resultado possível. O que é comum em outros países pode não ser comum aqui, e vice-versa”, diz Gustavo Campana, diretor médico da Dasa, companhia de medicina diagnóstica que ficou responsável pela realização dos sequenciamentos.

Hoje em dia, ao se investigar a origem de alguma doença, pode ser que não sejam encontradas respostas se a origem da alteração for ameríndia ou africana, explica Pereira, simplesmente por falta de dados de referência. Daí a importância de existir um estudo que amplie essa representação.

“Esse conhecimento poderá ajudar a tomar condutas preventivas e terapêuticas com melhores resultados e a um custo menor”, afirma Campana.

A amostra do estudo veio da parceria com outros projetos já em andamento do Incor (Instituto do Coração do Hospital das Clínicas da USP) e da Fiocruz (Fundação Oswaldo Cruz) em Rondônia, que acompanham coortes (grandes grupos de voluntários) pelo país.

Em agosto, o Ministério da Saúde passou a apoiar o projeto, que, nesse contexto, recebeu o nome de Genoma de Referência do Brasileiro, dentro da iniciativa governamental Genomas Brasil. O apoio, de R$ 8 milhões, permitirá o sequenciamento de mais de 2.000 amostras.

“O projeto é importante para o Sistema Único de Saúde no sentido de compreender como as variantes genéticas se relacionam com determinada doença na população, tornando possível obter um diagnóstico mais preciso e de predizer as chances de um indivíduo desenvolvê-la", afirma o ministério em nota enviada à reportagem.

O texto informa ainda que "essa abordagem permite que a equipe de saúde tome decisões clínicas em tempo oportuno para prevenir e evitar que a doença se manifeste, podendo, inclusive, definir qual medicamento será mais eficaz e terá menores efeitos colaterais ou, até mesmo, personalizar o tratamento em função do componente genético do indivíduo”,

“Além de promover a melhoria de qualidade de vida do paciente, uma linha de cuidado baseada em medicina de precisão promove também o uso racional do recurso da saúde, evitando gastos e desperdícios por meio de condutas clínicas preventivas e com tratamentos mais personalizados, seguros e eficazes”, encerra a nota.

 

Genoma de Idosos Brasileiros Revelam 2 Milhões de Novas Variantes

 

Na última semana foi postado na plataforma de pré-publicação bioRxiv um estudo comandado por de pesquisadores da USP e com participação de diversas outras instituições que identificou 76 milhões de variações (entre pequenas mutações e deleções) em 1.171 idosos de um coorte de São Paulo.

Dessas variações, 2 milhões são inéditas, segundo os autores da pesquisa, que ainda não passou pela revisão por outros cientistas.

Também encontraram 140 alterações do HLA, sistema de moléculas que ficam na superfície de células e que é controlado por genes do cromossomo 6, intimamente relacionado ao funcionamento do sistema imunológico e que, portanto, pode influenciar em inúmeras patologias.

"Todos os nossos resultados enfatizam que o sequenciamento completo do genoma de populações miscigenadas contribui com um recurso importante para estudos genômicos populacionais e aplicações médicas, assim como melhorar o genoma humano de referência", escrevem os autores.

 

Gabriel Alves -  biomédico e doutor em ciências pela Unifesp e matemático pela USP.

Fonte: caderno Ciências, jornal FSP


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