Perspectiva
Com o
conhecimento obtido, os pesquisadores esperam encontrar meios de prever e de
tratar doenças com base no DNA da população brasileira de forma mais barata e
efetiva.
Até então não havia um projeto nacional que reunisse
todas essas informações, diz Pereira, apesar de iniciativas que investigam, por
exemplo o genoma de idosos.
Segundo Tábita Hünemeier, que estuda o genoma de
populações indígenas e que também está no projeto DNA do Brasil, as análises
até agora mostram uma predominância de DNA mitocondrial (que é herdado da mãe)
proveniente de populações africanas (36%) e nativas americanas (34%). Já a
herança masculina (observada por meio do cromossomo Y), é 75% europeia.
A combinação dos dados revela que a miscigenação no
Brasil se deu muito de forma assimétrica, com pouca oportunidade de homens de
origem indígena deixarem descendentes, por exemplo.
Ainda assim, no estudo foram encontrados exemplos de
pessoas com DNA totalmente de origem indígena, assim como outros totalmente de
origem africana. Foram encontradas variantes genéticas provenientes de toda a
África —norte, sul, leste e oeste.
Esse tipo de estudo, afirma Hünemeier, é uma oportunidade
para entender quais porções de DNA índígena permanecem no povo brasileiro. Os
índios da costa leste brasileira, que somavam 1,5 milhão de pessoas, foram
praticamente exterminados. “Mas fragmentos dele sobrevivem nas pessoas, no
DNA.”
A expectativa é que os dados de sequenciamento sirvam
para encontrar variantes genéticas relacionadas a doenças, como a ataxia, que
prejudica progressivamente o funcionamento do cérebro, o equilíbrio e a
coordenação motora.
“Quando a gente faz uma análise de risco poligênico [ou
seja, influenciado por muitos genes], conhecer a miscigenação é fundamental
para o exame poder retornar o melhor resultado possível. O que é comum em
outros países pode não ser comum aqui, e vice-versa”, diz Gustavo Campana,
diretor médico da Dasa, companhia de medicina diagnóstica que ficou responsável
pela realização dos sequenciamentos.
Hoje em dia, ao se investigar a origem de alguma doença,
pode ser que não sejam encontradas respostas se a origem da alteração for
ameríndia ou africana, explica Pereira, simplesmente por falta de dados de
referência. Daí a importância de existir um estudo que amplie essa
representação.
“Esse conhecimento poderá ajudar a tomar condutas
preventivas e terapêuticas com melhores resultados e a um custo menor”, afirma
Campana.
A amostra do estudo veio da parceria com outros projetos
já em andamento do Incor (Instituto do Coração do Hospital das Clínicas da USP)
e da Fiocruz (Fundação Oswaldo Cruz) em Rondônia, que acompanham coortes
(grandes grupos de voluntários) pelo país.
Em agosto, o Ministério da Saúde passou a apoiar o
projeto, que, nesse contexto, recebeu o nome de Genoma de Referência do
Brasileiro, dentro da iniciativa governamental Genomas Brasil. O apoio, de R$ 8
milhões, permitirá o sequenciamento de mais de 2.000 amostras.
“O projeto é importante para o Sistema Único de Saúde no
sentido de compreender como as variantes genéticas se relacionam com
determinada doença na população, tornando possível obter um diagnóstico mais
preciso e de predizer as chances de um indivíduo desenvolvê-la", afirma o
ministério em nota enviada à reportagem.
O texto informa ainda que "essa abordagem permite
que a equipe de saúde tome decisões clínicas em tempo oportuno para prevenir e
evitar que a doença se manifeste, podendo, inclusive, definir qual medicamento
será mais eficaz e terá menores efeitos colaterais ou, até mesmo, personalizar
o tratamento em função do componente genético do indivíduo”,
“Além de promover a melhoria de qualidade de vida do
paciente, uma linha de cuidado baseada em medicina de precisão promove também o
uso racional do recurso da saúde, evitando gastos e desperdícios por meio de
condutas clínicas preventivas e com tratamentos mais personalizados, seguros e
eficazes”, encerra a nota.
Genoma
de Idosos Brasileiros Revelam 2 Milhões de Novas Variantes
Na última semana foi postado na plataforma de
pré-publicação bioRxiv um estudo comandado por de pesquisadores da USP e com
participação de diversas outras instituições que identificou 76 milhões de
variações (entre pequenas mutações e deleções) em 1.171 idosos de um coorte de
São Paulo.
Dessas variações, 2 milhões são inéditas, segundo os
autores da pesquisa, que ainda não passou pela revisão por outros cientistas.
Também encontraram 140 alterações do HLA, sistema de
moléculas que ficam na superfície de células e que é controlado por genes do
cromossomo 6, intimamente relacionado ao funcionamento do sistema imunológico e
que, portanto, pode influenciar em inúmeras patologias.
"Todos os nossos resultados enfatizam que o
sequenciamento completo do genoma de populações miscigenadas contribui com um
recurso importante para estudos genômicos populacionais e aplicações médicas,
assim como melhorar o genoma humano de referência", escrevem os autores.
Gabriel Alves - biomédico e doutor em
ciências pela Unifesp e matemático pela USP.
Fonte:
caderno Ciências, jornal FSP