A
crise total está chegando a todas as áreas da produção humana, com o surgimento
de um novo consumidor; os negócios precisarão mudar
A palavra de ordem é
crise. Uma crise que extrapola a dimensão política e desmorona para os planos
econômico, social, identitário, ético, global; enfim, uma crise total, também
nos meandros do capitalismo e no interior da relação entre produto e
consumidor.
O fato é que o modo de os humanos
se relacionarem, entre si e com as coisas que os cercam, está sendo
redimensionado mais rapidamente do que podemos compreender. Como as empresas
responderão a essa crise total será determinante para a garantia de sua
existência em um horizonte de poucos anos.
Vejamos a crise que acomete a
relação entre o homem e as coisas. Em um passado distante, o consumidor
comprava algo por conta de sua função, quando o produto era a resposta a um
problema determinado, ou por sua forma, quando o produto criava enlevo
estético. Em um passado recente, função e forma passaram a se confundir.
Nos dois casos, a relação entre
consumidor e produto é unidirecional: o produto responde a necessidades
identificadas em pesquisas que criam um consumidor arquetípico, com
comportamento de grupo. O produto embute ainda uma obsolescência programada
para satisfazer a necessidade de crescimento constante e ininterrupta do
lucro da empresa, a despeito das consequências disso, e a publicidade comunica
ao consumidor que ele precisa desse produto, desse componente de identidade:
“Consumo, logo existo”. As marcas que consumimos dizem quem somos.
Com a crise total, esse tempo
está acabando. O que as empresas chamavam de consumidor, formado pela
publicidade, pelas grandes opiniões, pela insegurança, pela necessidade de
pertencer a algo ou a algum grande grupo, era receptivo e passivo. O novo
consumidor talvez nem possa mais ter esse nome; ele também é produtor de
símbolos e não consome mais apenas um produto, mas uma visão de mundo que se
alinha com sua ética e com sua estética de existência. Para ele,
é determinante participar da construção do produto.
O novo consumidor não quer mais
vender metade de sua vida, criatividade e força de trabalho para uma corporação
com o intuito de ter coisas; busca experiências que transcendam o produto.
Por exemplo, compartilha objetos – em breve, a economia compartilhada será
apenas a economia – e quer investir seu dinheiro em coisas que contenham
uma visão de mundo e que durem mais do que alguns meses.
O produtor também é novo: é alguém
com rosto e com ética que se alinha com os novos consumidores. É uma pessoa
que, além do lucro, procura uma satisfação egoica com o fruto de seu trabalho e
se define por ele. Deixa sua impressão digital no produto, assim como uma
história real embutida, que nada tem a ver o storytelling artificial.
A revolução do ponto a ponto, que demoliu as indústrias do entretenimento,
está chegando a todas as áreas da produção humana. Isso criará um capitalismo
mais granular, miúdo, horizontal, e aprofundará a crise do velho mundo, cujas
primeiras ondas de choque sentimos.
Ninguém mais será consumidor;
estará consumidor em determinado ponto da cadeia produtiva: a relação entre
humanos e coisas será modulada de tal modo que consumiremos produtos que
ajudamos a construir. Sua empresa está pronta para as novas oportunidades?
Facundo Guerra - empresário dono do Lions e do Yatch Club.
Fonte: revista HSM