'Falácia do custo irrecuperável' expõe contradições
das nossas decisões
No esforço de não
desperdiçar um investimento, nos sujeitamos a gastos ainda maiores.
O amigo leitor comprou ingresso para o show
da Madonna e estava empolgado. Mas no dia
acorda doente e, para piorar, está chovendo muito.
Não vai conseguir aproveitar
o show e ainda pode piorar a sua saúde. Mas já gastou o dinheiro do ingresso,
que não pode ser vendido nem transferido para outra pessoa.
O que fazer?
Confrontados com situações como esta, em que houve
um gasto prévio (de tempo, dinheiro, esforço etc.), a maior parte de nós opta
por não "desperdiçar" o investimento e seguir com o projeto —neste
caso, ir ao show—, ainda que isso eventualmente possa acarretar um gasto ainda
maior.
É tão comum que tem nome: falácia do custo irrecuperável.
Não
é uma atitude racional: no esforço para não desperdiçar o dispêndio feito
irrecuperável, a pessoa se sujeita a gastos ainda maiores, que, esses sim,
poderiam ser evitados.
E não são apenas as pessoas físicas que incorrem nessa
falácia.
Na
década de 1950, os governos e indústrias do Reino Unido e da França se aliaram
para conceber e produzir um avião revolucionário: o supersônico Concorde.
O
custo foi inicialmente estimado em US$ 130 milhões. Alguns anos depois, esse
orçamento já tinha sido estourado em muito e estava claro que havia problemas
sérios.
Mas ninguém queria ter que dizer ao público que
era um fiasco. Então o projeto foi em frente e o Concorde acabou sendo
construído.
Custou US$ 2,8 bilhões –mais de 20 vezes a estimativa inicial!–,
nunca foi economicamente rentável e acabou sendo aposentado em apenas 30 anos.
Mas ninguém precisou reconhecer o fracasso...
Está longe de ser a única circunstância em que
tomamos decisões irracionais.
O israelense-americano Daniel Kahneman
(1934–2024), ganhador do Prêmio Nobel de Economia em 2002, já sinalizou que a maioria de nossas decisões
conscientes é determinada por emoções e vieses.
E,
em 2017, o Prêmio Nobel da Economia foi para o norte-americano Richard Thaler,
pelo desenvolvimento de uma teoria da "contabilidade mental" que
aponta que a maioria das nossas decisões —por exemplo, em questões financeiras—
é tomada a partir de raciocínios simplistas que visam apenas atender a
necessidades imediatas.
Não fosse assim, poucas pessoas comprariam a crédito...
Um
aspecto curioso da falácia do custo irrecuperável é que parece ser uma
característica humana adquirida.
Não são conhecidas manifestações dela entre os
outros animais, e até as nossas crianças parecem ser melhores do que os adultos
em deixar para lá quando não está dando certo.
MARCELO VIANA - diretor-geral
do Instituto de Matemática Pura e Aplicada, ganhador do Prêmio Louis D., do
Institut de France