O
físico espanhol Alfons Cornella cunhou o neologismo que soma informação com
intoxicação em 1996: infoxicação pode ser o nome da epidemia transmitida por
vírus de computador, presente em sites, blogs, e-mails, Twitter, YouTube e
outras redes sociais, como Facebook e Linkedin.
O
internauta padece de infoxicação quando recebe mais informações do que é capaz
de processar. “No momento em que acaba de digerir algo, chega muito mais”,
explica Alfons Cornella, que trocou a física pela Infonomia, empresa cujo lema
é “cada dia, uma ideia”, em entrevista ao jornal El País.
O
doente lê tudo superficialmente, pressionado pelo monte a ler. Torna-se anêmico
de glóbulos analíticos e críticos. Não mais se concentra. Capaz de
multitarefas, não executa nenhuma. E vira um transmissor do vírus, propagando
erros ou repassando mentiras.
O
diagnóstico de infoxicação descarta a “esgotosfera”, onde estão blogueiros que
ganham salário de partidos para destruir reputações e defender ideologias. São
profissionais imunizados. Já os infoxicados ficam reféns de computador,
smartphone, Google Glass, tablet, jogos eletrônicos e laptop. Como viciados,
presos na rede entre a realidade e a fantasia, entre o divertimento e as
notícias, sem discernir a tênue fronteira que os diferencia.
Quantos
e-mails não circulam ainda hoje garantindo que os atentados às torres de Nova
Iorque não passaram de obra da CIA? Fotogramas de filmes apocalípticos foram
usados como fotos reais de catástrofes recentes. Incontáveis textos apócrifos
rolam na net atribuídos a jornalistas e escritores famosos. Desinformação e
mentiras são tão comuns nas redes sociais, hoje, quanto verdades.
Olhar
sem ver
Dou
um exemplo de que fui vítima e culpado ao mesmo tempo. Vítima: recebi vários
e-mails com a foto de uma “passeata do PT” alterada por Photoshop. Manipulação
grosseira: alguns militantes à frente apareciam repetidos ao lado e mais atrás.
A multiplicação por quatro rendeu fornida multidão. Culpado: postei-a no
Facebook. Lembrava-me, então, ao contrário, da União Soviética, que deletava
dos álbuns históricos líderes caídos em desgraça.
Apesar
do aviso de que a foto provinha da net, desacreditada por já estar adulterada,
muitos a compartilharam com outros que também a redistribuíram, o que
desencadeou uma progressão incontrolável, um tsunami. Rápida busca no Google
deu milhares de respostas. Pelas primeiras, a passeata turbinada tinha ocorrido
na região metropolitana de São Paulo. Alguns anos para trás, porém, a mesma
imagem era pivô de uma polêmica em... Pernambuco, talvez a sua origem. Os
militantes de vermelho nem seriam petistas, mas do PSB. Postei a descoberta no
Facebook. Quantos a repassaram adiante? Poucos.
A
internet permite que qualquer um publique o que quiser. Viu algo inusitado,
tuíta; ou clica, e a foto ganha o mundo, pelo Instagram; via buffer, aplicativo
gratuito, o que for escrito em até 140 caracteres aparecerá instantaneamente no
Twitter, Linkedin, Google+, Reddit, Facebook e Tumblr. Quanto poder!
Essa
situação em que todos podem tudo, empoderadíssimos, é o fim do consenso. Que
vozes ouvir?, pergunta Clay Shirky, autor do livro Here Comes Everybody
(Lá Vem Todo Mundo, editora Zahar), sobre o fenômeno da participação de
internautas em projetos como a Wikipédia.
Também
professor de jornalismo na Columbia University (NY), ele lembra o passado nem
tão remoto em que era fácil distinguir a voz consensual das vozes marginais ou
heterodoxas. No reino da cacofonia falam grupos feministas, ateístas,
muçulmanos e mórmons (nos EUA); MST, sem-teto, quilombolas, índios, black block
e pró-maconha (no Brasil).
Todos
estão a um clique da opinião pública. A verdade que não mais é fruto do
consenso agora pode brotar quando fontes de informação reconhecidamente
relevantes são pinçadas em meio à irrelevância da infoxicação. Menos é mais.
Jornalistas que aprendiam que “quando começa uma guerra, a primeira vítima é a
verdade” sabem hoje que a verdade jaz na paz virtual. Não esqueçamos do
linchamento da dona de casa do Guarujá confundida com uma “bruxa” postada na
internet.
A
mesma arma poderosa que dispara falsidades vale para uso em contra-ataques. A
mentira exposta à multidão de internautas acaba denunciada e tendo vida curta.
Correções são imediatamente postadas. Alguns jornalistas já caíram flagrados em
plágios. Mas a epidemia de infoxicação cega leitores e impede uma depuração. A
enxurrada da internet transborda para o mundo real sem ser contida ou
contestada. A passividade é decorrência da quantidade avassaladora de
informações impossível de digerir. O maior sintoma da epidemia dos novos tempos
é que os doentes olham, mas não veem. Ou esquecem, imediatamente, o que
acabaram de ler. Infoxicados não têm memória. Nem vida além do mundo virtual.
Moisé
Rabinovivi – jornalista, foi correspondente estrangeiro para o Grupo
Estado e revista ÉPOCA; é diretor do Diário do
Comércio.
Fonte: Reproduzido d’O TREM Itabirano nº 107, julho/2014; título
original “Infoxicação: a internet faz vítimas”, intertítulo do OI