O meu vale mais do que o seu


O efeito posse explica por que você acha que sua casa e seu carro valem mais do que os do vizinho.

Regina está decidida a cortar os gastos e colocou um dos carros da família à venda. Embora antigo, o carro está superconservado, único dono, baixa quilometragem, todo equipado, pneus novos, uma joia rara, dá até pena de vender. Depois de pesquisar o valor de carros similares em um portal especializado, anunciou o carro por R$ 22 mil, um pouco mais caro que os demais, mas alguém haveria de reconhecer seu valor.

Recusou a única oferta que recebeu, ótima, diga-se de passagem, de R$ 20 mil à vista. O carro continua na garagem, e Regina, apegada a ele. Ela não se dá conta de que o comprador não vai pagar mais

pelo carro só porque está com os pneus novos. Aliás, se não fossem novos, ele nem teria feito a oferta que fez. Que mania a gente tem de valorizar nossas coisas mais do que a dos outros! Esse comportamento tem nome na psicologia econômica: efeito posse.

Leandro comprou um bom lote de ações em 2008, quando o Ibovespa marcava 70 mil pontos. Como esse foi o preço de compra, não passa pela cabeça dele vender por menos. Nem se importa mais com a expectativa de ganhar, mas perder, vender por menos do que ele pagou, está fora de cogitação.

Nos últimos sete anos já viu o preço subir, cair, subir de novo, tornar a cair, mas nunca chegou perto do preço ao qual Leandro está apegado, convencido de que, se esse foi o preço que ele pagou, é o que vale. Ele espera que algum dia o mercado reconheça que está errado e volte para o patamar dos 70 mil pontos...

Nos períodos de alta, chegou a pensar em vender, realizar um prejuízo pequeno e investir em outros mercados com melhores perspectivas de ganho. Mas o efeito posse, associado à ancoragem no preço de compra, impede que Leandro venda suas ações, guardadas na carteira até hoje, à espera de um milagre.

Rafael tomou uma decisão importante: vender a casa onde mora e mudar para um imóvel menor, mais perto de onde trabalha. O imóvel atual, grande demais, requer empregados e alto custo de manutenção. Assim, pensou, resolve dois problemas em uma cajadada só, reduz gastos com a moradia e com transporte.

Lá vem o apego novamente... Rafael discorda da avaliação feita por três corretores de imóveis e atribui à sua casa um valor maior do que o mercado está disposto a pagar. Colocou o imóvel à venda, mas pede um preço superior ao avaliado. Essa atitude deve afastar os compradores, e seu plano dificilmente será colocado em prática.

EFEITO POSSE

A psicologia econômica explica. Nem sempre tomamos decisões racionais e, muitas vezes, somos fortemente influenciados por nossas emoções, adotando um viés de comportamento que atribui ao que é nosso mais valor do que pertence aos outros. Trata-se do efeito posse, tendência de nos apegar ao que é nosso, valorizar muito tudo o que nos pertence, atribuindo menos valor a coisas equivalentes que pertencem a outras pessoas.

Se o comprador aceitar pagar o preço que pedimos, imediatamente vem aquela sensação de que fizemos bobagem, que podíamos ter pedido mais. Se bobear, desistimos de vender. A gente pensa muito mais no que vamos perder em vez de pensar no que podemos ganhar e, não poucas vezes, tomamos decisões infelizes.

TRISTEZA

Se você sentir que está sob o efeito de posse, pare e repense. E evite fazer negócio quando estiver triste. Você pode vender ou, pior, doar coisas de valor, que trazem recordações desagradáveis, como fez uma amiga que deu (não vendeu) tudo o que tinha na casa onde morou com o ex-namorado; ela só queria se livrar das coisas que lembravam o relacionamento desfeito.

Na ponta de compra, você acaba pagando mais do que vale ou comprando coisas das quais não precisa, na tentativa de se presentear, naquele famoso dia do "eu mereço", conhece?

Os pesquisadores alegam que o estado de tristeza é tão difícil de suportar que fazemos qualquer coisa para sair dele. Então, nada de fazer negócio quando estiver triste! Espere a tristeza passar antes de tomar qualquer decisão de compra ou de venda. Aprecie o que é seu, mas saiba que cabe ao mercado definir o valor monetário de seus bens materiais.

Marcia Dessen - planejadora financeira pessoal, diretora do IBCPF (Instituto Brasileiro de Certificação de Profissionais Financeiros) e autora do livro "Finanças Pessoais: o que fazer com meu dinheiro".

Fonte: jornal Folha de São Paulo

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