Estamos presos no 'doomscrolling'?
Quem
nunca pegou o celular para ver uma única mensagem e, de repente, viu-se
capturado pela hipnose de ficar deslizando o dedo
Existe um termo novo na praça para designar um
problema que a maioria das pessoas conectadas conhece bem.
O termo é
"doomscrolling". "Scrolling" significa "rolar",
no caso, rolar a tela do celular para baixo. "Doom" significa
"danação", "condenação", "perdição".
Conjugados, os dois termos se referem ao fenômeno
de ficar rolando a tela sem rumo nas redes sociais, muitas vezes por horas, sem
qualquer objetivo, simplesmente para ver se aparece alguma coisa capaz de alterar nosso estado emocional de ansiedade.
Quem nunca
pegou o celular para ver uma única mensagem e, de repente, viu-se capturado
pela hipnose de ficar deslizando o dedo pela tela e quando percebeu tinha
perdido uma hora ou mais da sua vida vendo aleatoriedades que só pioraram seu
estado emocional? Esse é o "doomscrolling".
Sobre o tema acaba de sair uma interessante
publicação do teórico da mídia holandês, Geert Lovink, com o nome "Presos
na Plataforma" ("Stuck on the Platform", em inglês). Lovink é
professor da universidade de Amsterdã e fundador de um instituto que estuda a
cultura que emerge das redes.
Logo na introdução ao seu trabalho ele diz:
"Estamos todos aprisionados. Não importa o quanto você tente deletar os
aplicativos do seu celular, o poder de sedução traz você de volta.
O
"doomscrolling" é o verdadeiro novo normal de uma vida que se passa
agora totalmente online.
Estamos viciados nas grandes plataformas, incapazes de
retornar à banalidade do tempo em que as redes eram descentralizadas".
Em 2009 tive a oportunidade de fazer um debate com
Lovink na PUC de São Paulo.
Era o fim da fase heroica e descentralizada da
internet nos anos 2000: a era dos blogs, do software livre, da Wikipédia.
Era
também o momento em que o Marco Civil da Internet estava sendo
construído de forma colaborativa online.
No debate, Lovink alertava sobre uma mudança que
estava em curso, capaz de solapar o modelo de organização descentralizada.
A
competição por atenção na rede levaria cada vez mais à concentração nas
plataformas. Já eu, apesar de também identificar o problema, ainda apostava que
as redes descentralizadas pudessem prevalecer.
Treze anos depois estamos em um contexto em que de
fato o indivíduo perdeu várias capacidades não só de agir, mas também de
escolher que tipo de informação acessa ou não na rede.
Essa decisão é hoje
tomada em grande parte através de algoritmos.
Esses, por sua vez, são
otimizados para capturar atenção, custe o que custar. Um dos efeitos colaterais
desse modo de organização da informação é o doomscrolling. Indivíduos
capturados em armadilhas da atenção –sem propósito–muito difíceis de serem
evitadas.
O que fazer? Geert propõe "levar a sério a
miséria mental que afeta bilhões de pessoas.
Não podemos mais ignorar a
depressão, raiva, desespero e fingir que tudo ficará melhor do dia para a
noite.
Hábitos precisam ser desaprendidos, a identificação do problema precisa
se espalhar.
Mudanças em políticas tecnológicas precisam ocorrer".
É um
bom começo de conversa. Enquanto isso vamos ali dar uma olhada no feed das
redes sociais. Mas vamos prometer, vai ser só por um minutinho.
RONALDO LEMOS - advogado,
diretor do Instituto de Tecnologia e Sociedade do Rio de Janeiro.