O gerente da minha conta bancária me ligou sugerindo
investimento em taxa prefixada para colher ganhos com a taxa de juros em queda.
Agradeci a iniciativa, mas não mergulhei de cabeça na sugestão
dele. E explico por quê.
A taxa básica sofreu um corte de 0,75 ponto percentual na mais recente reunião
do Copom e mudou de 13,75% para 13% ao ano. O presidente do Banco Central
sinalizou que esse será o novo ritmo de redução dos juros. O mercado estima que
chegaremos ao fim de 2017 com a taxa Selic no patamar de 9,5% ao ano.
Se você observa a Selic ainda em 13% e acredita que ela cairá
para 9,5%, contabiliza uma queda de 3,5 pontos percentuais e um bom lucro no
bolso se investir agora em taxa prefixada. Só que não é bem assim.
A taxa de juros prefixada praticada no mercado já caiu bastante
no segundo semestre de 2016, antecipando que haveria cortes na Selic. No auge
da crise de 2016, o Tesouro Prefixado, título que remunera taxa prefixada de
juros, chegou a pagar 17% ao ano. Na sexta (27), pagava 10,41% nos títulos de
dois anos e 10,88% nos títulos de seis anos.
Quem arriscou e comprou títulos prefixados a 16%, 15%, 14% ao
ano já ganhou ou pode ganhar um bom dinheiro se vender agora com desconto de
10,41%. Ou manter o título até o vencimento e ganhar a taxa negociada, que deve
ser superior à média da Selic. É possível afirmar isso porque é muito grande a
diferença entre a taxa comprada e a atual.
Quem compra um título agora, entre 10,40% e 10,88%, só tem
chance de ganhar se confirmada a queda continuada e acelerada da Selic.
Qualquer reversão dessa tendência pode comprometer a estratégia.
Ah, então vou investir em fundos de investimento que estão com
as carteiras recheadas de títulos comprados com a taxa alta que não está mais
disponível no mercado. Bom demais para ser verdade, não é assim que a banda
toca.
Quem tem o direito de abocanhar os lucros? Você que está
chegando agora, diante de um cenário definido de redução dos juros, ou quem
arriscou e investiu há alguns meses?
É evidente que só o segundo grupo tem o direito de se beneficiar
dos ganhos.
Para garantir que somente os investidores que já estavam no
fundo sejam beneficiados, os administradores de fundos são obrigados a marcar a
mercado diariamente os ativos da carteira. O mecanismo obriga que o valor de
mercado do título seja apurado e contabilizado. O valor da cota muda, para cima
ou para baixo, refletindo a valorização ou desvalorização dos ativos da
carteira. O procedimento impede a transferência de riqueza, ou seja, que os
ganhos ou perdas de um grupo de investidores sejam transferidos a outro grupo
que pega o bonde andando e não tem nada a ver com a história passada.
Tudo isso pra dizer que quem investir hoje em ativos ou fundos
que aplicam em taxa prefixada pode estar superestimando a perspectiva de ganho.
Esqueça a rentabilidade passada. O ganho será a diferença entre a taxa atual e
a nova taxa prefixada de mercado, seja ela qual for. Convenhamos que o espaço
para especulação diminuiu bastante. Para ampliar os ganhos (potenciais), é
preciso aumentar o risco, alongando o prazo ou alavancando posições com
derivativos.
Ainda vale a pena investir? Sim, se você estiver otimista e
acreditar que a taxa Selic, ainda no patamar de 13%, vai cair e rápido. Sim,
para alocar somente parte de sua carteira e diversificar o risco. Sim, se você
tiver a expectativa correta de ganho e ciência de que esse ganho pode se
transformar em perda se algum fato novo acontecer e a trajetória da taxa básica
mudar de rumo.
Não, se sua expectativa em relação ao cenário macroeconômico é
menos otimista do que as projeções. Não, se o dinheiro investido é o da sua
reserva financeira, que não pode ser exposto a riscos e precisa de liquidez
diária. Não, se você não é capaz de entender que as aplicações em "renda
fixa" não são fixas e oscilam entre a data da compra e a data de vencimento.
Ah, vale a pena lembrar que o mesmo raciocínio se aplica aos
ativos atrelados a índices de inflação cuja parcela prefixada ganha valor na
redução dos juros. O chamado "cupom" desses ativos, que chegou a 7%
ao ano, está no patamar de 5,58% (2019), 5,59% (2024) e 5,51% (2035). Quanto
mais longo, maiores o risco e a chance de ganhar se a taxa de juros cair.
Marcia Dessen - planejadora financeira
pessoal, diretora do Planejar e autora do livro 'Finanças Pessoais: o que Fazer
com Meu Dinheiro'
Fonte: coluna jornal FSP