No Brasil, o megaescândalo de lavagem de dinheiro na sucursal
suíça do banco inglês HSBC passou em brancas nuvens apesar
haver suspeitas sobre oito mil correntistas brasileiros. Mas na Europa o tema
está provocando conflitos entre profissionais nas redações e a direção de
jornais importantes como Le Monde, na França, e Daily
Telegraph, na Inglaterra.
No Monde, que foi um dos jornais líderes na
investigação do escândalo, os donos criticaram duramente repórteres e editores
sob a alegação de que o noticiário prejudicou interesses financeiros da empresa
editora do matutino de tendência liberal. Pierre Bergé, um dos dois principais
controladores da empresa editora do Le
Monde, acusou a redação do jornal de “populismo barato” e
incentivo aos “instintos mais baixos” das pessoas.
Bergé é um dos três milionários franceses que em 2010 compraram
o Le Monde para evitar que o jornal fechasse. Os demais sócios
– Mathieu Pigasse, presidente do banco de investimentos Lazzard e Xavier Nigel,
magnata das telecomunicações – apoiaram as declarações do fundador do grupo
Yves Saint Laurent. Pigasse chegou a classificar a cobertura do escândalo HSBC
como um “macartismo fiscal”.
Mas os três milionários foram ainda mais longe na verbalização
de suas queixas contra o jornalismo praticado pela redação do Le Monde ao afirmar candidamente que “não foi
para isso que decidiram assumir o controle do jornal”. Pouco depois que Bergé,
Pigasse e Nigel compraram o Le Monde, eles assinaram um acordo
pelo qual garantiam total independência editorial para os jornalistas,
mas agora estão arrependidos do trato feito.
No britânico Daily Telegraph, o seu principal
comentarista político, Peter Oborne, renunciou ao cargo e pediu demissão do
jornal acusando os seus proprietários de “fraudar os leitores” ao
deliberadamente omitir informações relacionadas às denúncias de que o HSBC
ajudou cerca de 100 mil clientes a lavar 180 bilhões de euros (pouco
mais de meio trilhão de reais) em sua agência de Genebra, na Suíça.
Oborne vinha criticando a direção do jornal desde 2013, quando o
HSBC suspendeu a publicidade no Telegraph depois de ser
apontado pelo jornal como cúmplice de nebulosas transações financeiras no
paraíso fiscal da ilha Jersey, controlada pelo Reino Unido, no canal da Mancha.
O jornalista informou que, na época , um dos executivos do Telegraph lhe
disse que o banco “era um cliente importante demais para ser ignorado”.
No Brasil, os jornais Globo, Folha e Estadão deram
uma cobertura microscópica ao escândalo HSBC, como já comentou neste Observatório o colega Luciano Martins Costa.
A situação mais embaraçosa é a da Folha de S.Paulo, que
participou da investigação sobre o HSBC coordenada pelo Consórcio Internacional
de Jornalismo Investigativo, mas preferiu a omissão quando o problema esbarrou
nos interesses comerciais da imprensa.
O caso HSBC tornou-se exemplar não apenas pelo fato de resultar
de um esforço coletivo de um grupo de jornais, numa rara atitude de colaboração
mútua, mas principalmente porque colocou na ordem do dia a
independência das redações diante dos interesses comerciais dos donos
de empresas jornalísticas. Patrões e empregados foram colocados em campos
opostos num tema crítico como a lavagem de dinheiro e as suas óbvias ligações
com a corrupção.
A retórica da independência editorial e da liberdade de
expressão nas redações ficaram seriamente arranhadas com a reação pública ou
dissimulada de muitos donos de jornais que não tiveram dúvidas em colocar
o dinheiro acima da informação na hora de enfrentar as consequências
de divulgação de um escândalo envolvendo corrupção em escala planetária.
Os mesmos jornais que mergulharam fundo na investigação das
denúncias de caixa 2 na Petrobras, agora “olham para o outro lado”
quando se trata de um banco que gasta por ano meio bilhão de dólares em publicidade
em todo o mundo.
A reação dos donos colocou os profissionais nas redações numa
situação difícil, conforme Roy Greenslade, principal analista da mídia no
jornal inglês The Guardian. Para ele, o caso HSBC colocou
dramaticamente em evidência o aforismo de que a liberdade de expressão
na imprensa só funciona para os seus donos. Com exceção do Guardian,
que é controlado por uma fundação, nos demais grandes jornais do mundo o caso
HSBC está sendo tratado com panos quentes. Peter Oborne é, por enquanto, o
único profissional de renome mundial a hipotecar o seu emprego na defesa da
liberdade de expressão nas redações.
Carlos
Castilho – jornalista, professor, autor.
Fonte: site Observatório da Imprensa