Donald
Trump fala o que muitos pensam e não tem coragem de dizer, segundo seus
eleitores.
Cheguei aos EUA em 2016 com Obama na Casa Branca e
assisti boquiaberta, poucos meses depois, a uma parcela significativa da nação
eleger uma figura no mínimo controversa. Trump parecia imune aos próprios
atentados contra os valores americanos. A razão, louvada por tantos de seus
eleitores? “Ele fala o que muitos pensam e não têm coragem de dizer.” E ainda
faz escola. Já ouvi o mesmo argumento de vários que apoiam presidenciáveis
brasileiros. Como se dizer o que se pensa fosse, de fato, sempre algo louvável.
Mas não é.
Pensar
besteira todo mundo faz, de chegar na mureta do mirante e ponderar que “é só
passar a perna por cima e me jogar” ou olhar para o vizinho e pensar que “se eu
o empurrasse, ele teria morte certa”. Evocar associações comuns, como mureta e
suicídio, é apenas natural para o cérebro, consequência inevitável do seu
aprendizado por repetição.
Da
mesma forma, num ambiente em que racismo, homofobia e liberdades tomadas com a
vida dos outros ainda imperam, onde se cresce ouvindo que negros e índios são
isso, gays são aquilo, e onde todo útero grávido é propriedade coletiva,
insultar é o impulso mental fácil, mesmo que por repetição, e não por crença.
Pensamentos
também são testes de ações mentais e suas consequências possíveis. Mentalmente,
todo mundo um dia xinga a mãe, esbofeteia o vizinho, esfaqueia o marido ou
profere insultos racistas e homofóbicos.
Mas
a grande maioria para no pensamento, horrorizada pela consequência que suas
ações mentais teriam na vida real se executadas ou ditas. Pensamentos terríveis
têm essa utilidade: primatas que somos, com um córtex pré-frontal expressivo,
capaz de reconhecer más ideias e impedi-las de vir à tona, não precisamos
chegar às vias de fato para aprender a não fazer besteira.
Dizer o que “todo mundo pensa mas
não ousa dizer”, portanto, não é sinal de coragem, nem de honestidade, mas
apenas de falta de controle pré-frontal —ou de mau caráter mesmo.
Fonte: Suzana Herculano-Houzel
- bióloga e neurocientista da Universidade Vanderbilt (EUA)