Humanos graças à cozinha

O que nos torna humanos, com capacidade cognitiva superior à os outros animais?

\

“Nosso enorme número de neurônios no córtex cerebral” é a resposta que damos em meu laboratório. E como conseguimos esse enorme número de neurônios que nos torna humanos? “Graças à invenção da dieta cozida por nossos ancestrais, que assim conseguiram superar a barreira energética que mantém outros primatas e demais mamíferos limitados a números bem menores de neurônios”, respondemos. ]

A sugestão original é do antropólogo britânico Richard Wrangham, pesquisador da Universidade Harvard. Wrangham notou que a duplicação rápida do tamanho do cérebro na história da evolução humana coincide com uma redução do tamanho dos dentes e das cristas ósseas que sustentam os músculos da mastigação – como se nossos antepassados de repente não precisassem mais fazer tanta força para comer. Seria o esperado de quem passa a se alimentar de comida cozida, que é mais macia e fácil de mastigar do que folhas, raízes e carnes cruas.

Em 2012, ao calcular quantas calorias são necessárias para sustentar corpos e cérebros de tamanhos diferentes, mostramos que humanos teriam de passar cerca de nove horas e meia se alimentando de comidas cruas, como fazem grandes primatas – o que não é possível. Os crudívoros modernos apenas subsistem graças à disponibilidade de altas concentrações de alimentos crus em supermercados e truques como purês e sucos. Basta pensar em como seria a nossa vida se as horas dedicadas ao trabalho diariamente tivessem de ser passadas procurando e consumindo alimentos crus, sem parar. É o que fazem gorilas e orangotangos – mas “apenas” por oito horas por dia. Em épocas em que a comida perde valor nutritivo, eles não conseguem compensar comendo mais e perdem peso. Se eles não conseguem comer muito mais do que oito horas por dia, nossos antepassados provavelmente também não conseguiam.

O número limitado de calorias obtidas da comida crua faz com que seja inviável, para um gorila, sustentar um cérebro maior ainda, além do corpo enorme que já tem. Pelas mesmas contas, dado nosso cérebro com três vezes mais neurônios que o dos gorilas... nós não deveríamos estar aqui. Com a dieta crua dos outros primatas, o Homo sapiens não seria energeticamente viável. A história muda com o cozimento dos alimentos, o que mais que dobra seu rendimento energético e reduz drasticamente o tempo necessário para ingeri-los – e assim ter um cérebro grande deixa de ser um risco e passa a ser uma vantagem, o que explica o aumento enorme e rápido do tamanho do cérebro de nossos antepassados. Excelente. O problema, contudo, é que nossas invenções seguintes, como a agricultura, a geladeira e o supermercado, tornaram fácil demais... comer demais.

Suzana Herculano-Houzel - neurocientista, professora da UFRJ e apresentadora do programa "Cerebrando" (cerebrando.net)

Fonte: www.suzanaherculanohouzel.com

Tel: 11 5044-4774/11 5531-2118 | suporte@suporteconsult.com.br