A
crise do coronavírus, como toda crise, está se desenrolando ao longo de um arco
de tempo, com começo, meio e fim. É útil pensar o que distingue o que foi, é e será.
Antes havia um passado de relativa estabilidade e
previsibilidade. Agora há caos e ruptura. Haverá…
um estado diferente. À medida que esse futuro se desenrola, algumas
organizações serão resilientes. Para outras, esse futuro será catastrófico. As
ações dos executivos e de suas equipes neste momento, em meio a esta crise,
determinarão significativamente seu destino.
As
crises, repletas de complexidade e mudança, exigem que os executivos liderem e
gerenciem com eficiência. Atender às necessidades urgentes do presente é função
da gerência. Você precisa fazer escolhas imediatas e alocar recursos. O ritmo é
rápido e as ações são decisivas.
Liderar, ao contrário, envolve orientar as pessoas em
direção ao melhor resultado possível ao longo desse período de tempo. Seu foco
precisa estar no que deve acontecer a seguir e em se preparar para agir. Isso
significa ver além do imediato para antever os próximos três, quatro ou cinco
obstáculos.
Durante quase duas décadas, pesquisamos e observamos
executivos dos setores público e privado em situações de alto risco e forte
pressão. O que observamos é que as crises costumam ser supergerenciadas e
sublideradas. Os melhores líderes navegam em águas agitadas com destreza,
salvando vidas, energizando as organizações e inspirando as comunidades. No
entanto, descobrimos que muitos líderes caem em uma ou mais das seguintes
armadilhas de liderança:
1. Adotar uma perspectiva muito estreita
O cérebro humano está programado para restringir seu
foco diante de uma ameaça. É um mecanismo evolucionário de sobrevivência
voltado à autoproteção. A armadilha é que seu campo de visão fica restrito ao
primeiro plano imediato.
Os líderes precisam recuar intencionalmente para
aumentar sua amplitude mental e absorver o plano intermediário e o segundo
plano. É o que chamamos de metaliderança – adotar uma visão ampla e
holística dos desafios e oportunidades. Uma metaliderança com foco adequado
promove o gerenciamento bem direcionado.
O contra-almirante aposentado da Guarda Costeira dos
EUA, Peter Neffenger, foi vice-comandante de incidente nacional durante o
vazamento de combustível da plataforma Deepwater Horizon. Estivemos com ele
durante esse evento e expusemos suas ideias na forma de um mapa de
conectividade da situação – uma representação visual das diversas situações se
desenrolando em torno do vazamento. Entre elas estavam questões jurídicas,
consequências políticas, preocupações com a continuidade dos negócios, a saúde
econômica e social das comunidades afetadas, o impacto ambiental, a coordenação
entre agências entre as equipes de socorro e outras.
Com essa visão ampliada, Neffenger descobriu que a
tarefa mais premente não era gerenciar a reação ao vazamento em si, mas sim,
liderar, desatando o emaranhado de implicações políticas que consumiam as
autoridades federais, estaduais e locais. Seus esforços ajudaram a abrir espaço
e dar cobertura para garantir o sucesso dos agentes tanto em terra quanto na água.
2. Deixar-se seduzir pelo gerenciamento
Para os líderes que cresceram dentro de uma empresa ou
em um único setor, gerenciar uma crise pode parecer empolgante. A armadilha é
que você acaba voltando à sua zona de conforto operacional. Sua adrenalina
aumenta em meio à tomada de decisões e ações. Você experimenta a sensação de
agregar valor tangível. No entanto, é como um pico glicêmico, que é rapidamente
substituído por uma queda brusca.
Liderar em meio a uma crise exige uma visão de longo
prazo, em contraste com o gerenciamento do presente. É preciso prever o que
acontecerá na semana seguinte, no mês seguinte e até no ano seguinte, para
preparar a empresa para as mudanças futuras. É necessário delegar e confiar em
seus profissionais nos momentos de decisões difíceis, dando suporte e
orientação adequados com base em sua experiência, resistindo à tentação de
assumir o controle.
Sabendo que uma crise pode surgir a qualquer momento, as
empresas de setores de alto risco, como o de energia e o de aviação, possuem
departamentos robustos de saúde, segurança, proteção e meio ambiente (HSSE, em
inglês) para a gestão de crises. Quando os executivos seniores confiam
profundamente nos profissionais de HSSE, podem concentrar seus esforços no que
é necessário para sair da crise mais forte do que antes. Quando essa possibilidade
não existe, eles microgerenciam a reação, o que causa a interrupção do ritmo
operacional dos gestores de resposta, subvertendo seus próprios desejos de um
resultado positivo.
3. Centralização excessiva da reação
O risco e a ambiguidade aumentam durante uma crise, pois
há muita incerteza e volatilidade. A maior armadilha para os líderes está em
tentarem controlar tudo. Eis que, subitamente, você criou novas camadas de
aprovação para decisões secundárias. A empresa se torna menos responsiva e a frustração
cresce a cada nova barreira.
A solução é priorizar a ordem em detrimento do controle.
Ordem significa que as pessoas sabem o que se espera delas e o que podem
esperar dos outros. Os líderes devem reconhecer que você não pode controlar
tudo. Determine quais decisões somente você pode tomar e delegue o restante.
Estabeleça valores e princípios claros de orientação, evitando a tentação de
fazer tudo por conta própria.
A resposta aos atentados à Maratona de Boston foi a mais
colaborativa e síncrona que estudamos. Entre nossas descobertas, estava a sábia
liderança assumida pelo então governador Deval Patrick. Como ele e outros nos
disseram, ele tinha por hábito entrar no centro de comando perguntando como
poderia ser útil, em vez de dizer às pessoas o que fazer. Para ele, estava
claro que o FBI estava encarregado da investigação, o prefeito de Boston queria
“mandar nas suas ruas” e que os profissionais das diversas organizações
envolvidas eram os mais adequados para tomar a principais decisões pontuais.
Patrick percebeu que poderia contribuir melhor como
comunicador – dando às pessoas esperança pelo futuro como o rosto público do
governo, e servindo como intermediário de confiança junto à Casa Branca. Ele
também liderou os esforços para garantir que as comunidades de Massachusetts
tivessem o apoio necessário para serem resilientes e meio a essa enorme
adversidade.
4. Esquecer-se dos fatores humanos
Embora possa parecer óbvio, crises são crises porque
afetam as pessoas. No entanto, os líderes podem ficar presos, concentrando-se
nas métricas diárias do preço das ações, receita e custos. Esses elementos são
importantes, mas são o resultado dos esforços coordenados de pessoas. As
organizações existem para realizar em conjunto coisas que os indivíduos não
podem alcançar sozinhos.
A solução é unir as pessoas em seus esforços e objetivos
como membros valiosos de uma equipe coesa. Isso começa com uma missão comum e
claramente articulada que impregna o trabalho com um propósito. A missão é,
então, posta em marcha por meio de uma abordagem de liderança inclusiva, em que
cada pessoa entende como pode contribuir – e que sua contribuição é
reconhecida. Isso dá um significado mais profundo, até mesmo às tarefas mais
simples.
James “Jimmy” Dunne foi um dos três sócios-diretores do
banco de investimentos Sandler O’Neill (atual Piper Sandler). Sua sede era no
World Trade Center no 11 de Setembro. A empresa perdeu 40% de seu pessoal no
ataque, incluindo os outros dois sócios. Dunne nos disse que a sobrevivência da
empresa se tornou sua missão pessoal porque ele queria negar a vitória aos
terroristas.
Dunne visualizou sua missão, olhando para as duas mãos:
em uma delas estavam suas preocupações comerciais; na outra, a assistência aos
funcionários da Sandler O’Neill e todas as famílias. Ele disse que quanto mais
ele se concentrava nas questões das pessoas – participando pessoalmente de
funerais, cuidando da continuidade dos salários e benefícios, entre outras
iniciativas – mais as questões comerciais pareciam se equilibrar sozinhas.
Dunne criou um ambiente em que as pessoas estavam coletivamente motivadas a
contribuir para o sucesso de todos.
Pense na liderança e na gestão como dois círculos em um
diagrama de Venn. No momento em que uma crise se abate, os dois círculos ficam
predominantemente sobrepostos. Conforme o arco de tempo passa e o evento se
desenrola, as duas atividades se separam. Os dois círculos nunca estão
totalmente separados porque o presente e o futuro são interdependentes.
Os líderes mais competentes em situações de crise asseguram que outra
pessoa está gerenciando bem o presente enquanto concentra a atenção em liderar
além da crise, em direção a um futuro mais promissor.
Eric J. McNulty - diretor associado da National Preparedness Leadership
Initiative, da Harvard University. É coautor do livro “You’re it: crisis,
change, and how to lead when it matters most (PublicAffairs, 2019).
Leonard Marcus - codiretor e fundador da National Preparedness
Leadership Initiative, da Harvard University. É coautor de You’re It: crisis,
change, and how to lead when it matters most (PublicAffairs, 2019).
Fonte:
Harvard Business Review