Comissão quer criar censura 2.0


A CPI dos Crimes Cibernéticos na Câmara acaba de publicar seu relatório final. A comissão foi presidida pela Deputada Mariana Carvalho (PSDB-RO), e o texto, redigido pelo deputado Espiridião Amin (PP-SC). Analisando o relatório, fica claro que sua finalidade não é combater "cibercrimes", já amplamente cobertos pela legislação em vigor. O objetivo é criar um sofisticado sistema de controle e censura da rede.

O relatório propõe oito leis para atingir esse objetivo. A primeira transforma as redes sociais em órgão de patrulha, vigiando e apagando posts de usuários que "atentem contra a honra". As redes sociais terão 48 horas para apagar conteúdos "acintosos". Se não o fizerem, serão corresponsabilizadas.

É medida feita sob encomenda para políticos que se sentem incomodados pela internet. Dá a eles o direito de apagar tudo que os desagrade.

A segunda proposta acaba com a privacidade. O relatório propõe que a identidade de qualquer usuário atrás de um número IP (o "RG" de um dispositivo conectado) seja revelada automaticamente "ao delegado de polícia e ao Ministério Público", sem a necessidade de ordem judicial. Com isso todos se tornam presumidamente culpados, sujeitos à vigilância de ocasião.

A terceira perna atribui à Polícia Federal a competência para lidar com qualquer crime que seja "praticado mediante computador". Quem hoje baixa filmes ou música da internet poderá receber a visita do japonês da Federal. O mesmo acontecerá com quem fizer uma "difamação" na internet.

Quando milhões de pessoas são transformadas em criminosos potenciais, surge o fenômeno do "bode expiatório". Autoridades viram juízes, decidindo quem deve ser interpelado. Em uma democracia, a competência da Polícia Federal deve ser sempre limitada a temas graves. Não faz sentido que atue em crimes de baixo potencial ofensivo "praticados mediante computador".

Por fim, o projeto altera o Marco Civil para recriar a censura pura e simples no Brasil. Os provedores de conexão poderão fazer o "bloqueio de acesso" integral de sites e serviços na internet. Isso será feito na própria infraestrutura da rede. Ou seja, afetará 100% dos brasileiros.

Esse tipo de filtragem é típico de países como Arábia Saudita, Irã, China ou Coreia do Norte. Se o projeto for adiante, o Brasil se juntará a esse seleto clube.

Na prática tudo isso funcionará assim: um político identifica que alguém falou que ele tem contas na Suíça em uma rede social. Ele notifica a rede social, que deverá remover o conteúdo "acintoso" em 48 horas. Pede então que seja revelada a identidade e endereço físico do internauta. Pega essas informações e aciona a Polícia Federal, que poderá então fazer uma "visita" a ele.

Se a rede social se recusar a obedecer, o político pedirá que ela seja bloqueada na íntegra no Brasil. Vai ter muito país autoritário com inveja desse sistema de controle brasileiro. 

Ronaldo Lemos - advogado, diretor do Instituto de Tecnologia e Sociedade do Rio de Janeiro (ITSrio.org). Mestre em direito por Harvard. Pesquisador e representante do MIT Media Lab no Brasil. 

Fonte: coluna jornal FSP

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