A matemática e o Brasil
- Iniciativa foca uma das debilidades mais críticas do sistema
educacional
- Gravidade da situação fica patente em avaliações internacionais
No
dia 1o deste mês, o presidente Lula assinou decreto instituindo o Compromisso Nacional Toda Matemática.
A
iniciativa, elaborada pelo Ministério da Educação ao longo de meses –tomei
conhecimento por telefonema do ministro Camilo Santana, em fevereiro– foi anunciada
publicamente na premiação nacional da Olimpíada Brasileira de Matemática das
Escolas Públicas (OBMEP), em junho.
Trata-se, sem dúvida, do esforço mais
focado e consistente alguma vez envidado pelo governo federal para encarar de
frente uma das debilidades mais críticas do nosso sistema educacional: a
formação matemática na educação básica.
Estudos
do próprio Ministério da Educação mostram que entre os estudantes que concluem
o ensino médio no Brasil apenas 5% alcançam a proficiência mínima esperada em
matemática.
A gravidade da situação também fica patente nos nossos resultados
em avaliações internacionais como o Programa Internacional de Avaliação de Estudantes (Pisa).
Em 2022, ano mais recente em que o Pisa focou a
matemática, 73% dos estudantes brasileiros estavam abaixo do patamar de
conhecimento considerado o mínimo necessário para o exercício da cidadania, e
menos de 1% apresentou alto desempenho na disciplina.
Em um país que integra a
divisão de honra da União Matemática Internacional e tem diversos pesquisadores
e instituições de pesquisa de alto padrão internacional, inclusive um ganhador da Medalha Fields (Artur Avila, pesquisador do Impa), essa
realidade é difícil de digerir.
Qualquer solução efetiva desse estado de coisas
exige uma ação concertada de todos os atores do sistema educacional brasileiro,
e é isso que o Toda Matemática se propõe construir, fortalecendo o ensino da
disciplina por meio da oferta de apoio financeiro e técnico da União às redes
estaduais e municipais que aderirem à iniciativa e estabelecendo padrões
técnicos objetivos para avaliação da aprendizagem em todo o país.
Para os meses
finais de 2025, o orçamento é de R$ 70 milhões e é fundamental que o programa
tenha continuidade como política de estado.
Porque matemática é riqueza e
desenvolvimento. Estudo elaborado pela Fundação Itaú em
2024 mostra que as profissões que fazem uso intensivo da matemática geram
atualmente 4,6% do Produto Interno Bruto (PIB) do Brasil, cerca de R$ 450
bilhões por ano.
Em países avançados o impacto da matemática pode chegar a 18%
do PIB.
Para que possamos almejar esse patamar, somando mais de um trilhão de
reais à riqueza gerada no país a cada ano, é indispensável que sejamos capazes
de formar, mais e melhor, profissionais capacitados para utilizar ferramentas
matemáticas na resolução de problemas do mundo real.
E porque matemática é poder e soberania.
O
documentário "Counted Out" (excluídos pela matemática), da cineasta
Vicki Abeles, aponta como a influência da matemática em nossas vidas alcança
hoje uma profundidade sem precedentes na história, com decisões críticas –que
notícias lemos, com quem nos relacionamos, que empregos alcançamos, quais
financiamentos conseguimos etc.– sendo tomadas por ferramentas matemáticas
(algoritmos) que a maioria não entende.
Nessas condições, o conhecimento
matemático se converte em poder: aqueles, indivíduos ou países, que não o
possuem ficam vulneráveis a quem o detém.
MARCELO
VIANA -
diretor-geral do Instituto de Matemática Pura e
Aplicada, ganhador do Prêmio Louis D., do Institut de France