No dia 14/11 dei uma de Stanislaw Ponte Preta e gozei, no
Twitter, o nome dado à Operação Lava Jato, que alguns ainda grafam com hífen.
Se não havia na história um avião a jato, nem sequer um prosaico ultraleve a
ser lavado, a expressão era descabida. Dada sua clara intenção de conotar uma
faxina em regra, como a executada nos carros em postos de gasolina, o nome
correto seria “lava a jato”.
Minha picuinha onomástica, de imediato turbinada pelo Facebook,
cumpriu apenas uma parte do seu objetivo: divertir os internautas com mais essa
prova de que o Febeapá (Festival de Besteiras que Assola o País), inventado há
cinco décadas por Stanislaw, ainda não encerrou suas atividades.
Indiferente ao flagra vernacular e às gozações nas mídias
sociais, a Polícia Federal manteve o nome (e até o hífen) de sua operação,
concentrando-se nos afazeres que lhe competem, a fim de evitar bobeadas mais
sérias, como os erros processuais que inviabilizaram as operações Castelo de
Areia e Satiagraha, e a indevida inclusão de José Carlos Cosenza na
petrorroubalheira, que por um triz não comprometeu a limpeza em andamento,
àquela altura já com uma extensão: Juízo Final, nome mais que apropriado se as
investigações estiverem de fato em seus versículos derradeiros e os condenados,
prestes a serem punidos.
Agindo com impressionante competência e rapidez na perseguição
aos saqueadores da maior empresa pública do país, a PF tem saldo credor para
cometer impunemente mais umas duas ou três mancadas ortográficas. Aliás, não me
lembro de outra nas mais de 2 mil operações por ela executadas neste século,
ora batizadas com nomes de bichos, ora com títulos de filmes, na maioria das
vezes com personagens e episódios históricos e mitológicos. Por mais que tentem
esconder quem os sugere (o segredo também é a alma do marketing), sabe-se que
até 2007 quem com mais frequência o fazia era o delegado Zulmar Pimentel,
diretor executivo da PF, afastado do cargo e desterrado para Manaus com a fama
de boquirroto.
Ignora-se quem associou a caça aos envolvidos no escândalo da
Petrobrás à lavagem de carros. Seja lá quem for, seu maior erro não foi omitir
uma preposição e acrescentar um hífen, mas desperdiçar a oportunidade de
homenagear quem pela primeira vez alertou publicamente para a rapinagem na
Petrobrás.
“Verdadeira
estupidez”
Há
quase 20 anos, o jornalista Paulo Francis denunciou, no programa Manhattan
Connection, que “todos os diretores da Petrobrás” punham dinheiro na Suíça.
Apesar do alerta em off de Lucas Mendes (“olha que dá
processo”), Francis não tirou o dedo do gatilho. Referiu-se a um amigo,
advogado, que num almoço com um banqueiro suíço ouvira deste o seguinte
comentário: “Bom mesmo é brasileiro, porque esses bilionários árabes depositam
US$ 1 milhão, US$ 2 milhões, mas uma semana depois tiram. Os brasileiros põem
US$ 50 milhões, 60 milhões e deixam.” Segundo Francis, toda aquela grana era
fruto de roubalheira, de superfaturamento.
Novo alerta de Lucas, dessa vez gestual (um discreto tapinha no
braço direito), novamente ignorado por Francis, que reiterou sua certeza de que
a Petrobrás fora dominada “pela maior quadrilha” em atividade numa empresa
pública brasileira.
Lucas suspeitou certo: deu galho. Não contra a quadrilha
vagamente apontada por Francis (o que só poderia ocorrer se o então presidente
da Petrobrás, Joel Rennó, tivesse mandado investigar a procedência das
acusações e as tivesse comprovado), mas contra o próprio acusador.
Sem
provas concretas para substanciar sua denúncia, Francis acabou processado por
Rennó, no foro de Nova York. Um processo impagável de US$ 100 milhões, ao qual
o jornalista ainda se referiria em outra edição do Manhattan Connection,
quando citou nominalmente o presidente da Petrobrás e acusou os diretores da
estatal de tentarem intimidá-lo e silenciá-lo.
Nesse programa, houve um diálogo quase cômico entre Lucas e
Francis. Ao ouvir o colega afirmar que, dos “três porquinhos” que dirigiam a
Petrobrás, conhecia apenas o presidente, “um rapaz gordinho” que comia “nos
melhores restaurantes de Nova York”, Lucas quis saber se já haviam comido
juntos alguma vez. “Infelizmente, já”, respondeu Francis, simulando um engulho.
Se Francis errou ao dizer o que disse sem provas materiais, o
presidente da Petrobrás não podia tê-lo processado nos Estados Unidos por
coisas ditas numa televisão brasileira e jamais transmitidas fora do Brasil,
embora gravadas num estúdio nova-iorquino. Muito menos envolvendo uma
indenização que, hoje sabemos, só os petrogatunos teriam condições de pagar com
seu butim, guardado aqui e lá fora.
Mesmo ciente de que perderia o caso, o presidente da Petrobrás
esticou o litígio até onde pôde. Queria infernizar o jornalista e como dispunha
de recursos ilimitados para cozinhar o processo, manteve-o em banho-maria, para
discreto constrangimento do presidente Fernando Henrique Cardoso, que tampouco
se empenhou em esclarecer se as imputações de Francis tinham ou não fundamento.
Rennó afinal venceu a parada. Mas não nos tribunais.
Estressado
e deprimido pela milonga judicial, Francis morreu de um ataque cardíaco em 4 de
fevereiro de 1997. Na Folha de S.Paulo do dia seguinte, Elio
Gaspari encerrou seu comentário com esta observação: “Dizer que o processo do
doutor Rennó o matou seria uma injustiça piegas, verdadeira estupidez. O que
aconteceu foi outra coisa. O doutor Rennó conseguiu tomar uma carona no último
capítulo da biografia de Paulo Francis. E, se algum dia Rennó tiver biografia,
terá Paulo Francis nela. É difícil que consiga fazer coisa melhor, sobretudo à
custa do dinheiro da viúva.”
A Operação Paulo Francis demorou 17 anos para se concretizar.
“Lava-Jato” é apenas seu nome fantasia.
Sérgio Augusto -
colunista do Estado de S.Paulo
Fonte: suplemento Aliás do
jornal Estado de São Paulo