Os
efeitos de nosso atraso na educação vêm paralisando o país há décadas
Quando pequena, minha filha soltou uma frase que me
deixou horrorizada: "Detesto matemática". Como uma criança que está
apenas começando a aprender um assunto tão rico e desafiante pode emitir uma
opinião pesada dessas?
Foi preciso que um novo professor, sensível à sua dificuldade, aparecesse para
reverter a situação. Chamando-a de "senhorita" carinhosamente,
foi puxando o fio de seu interesse e curiosidade ao mesmo tempo em que
incentivava sua perseverança. Resultado: o amor e aprendizagem da matemática.
Aula em colégio no bairro do Belém, na zona leste de São
Paulo
Passado um tempo, na fila para comprar fichas da festa
junina da escola, minha filha me alertou que seu professor estava na
barraca.
A cena que se seguiu foi puro constrangimento. Não me furtei a derramar elogios
a um senhor de chapéu de palha e cavanhaque falso, acuado em um quadrado
decorado com bandeirinhas. A fila engrossava enquanto eu, emocionada, dizia
tudo que penso sobre a incrível tarefa de educar e sobre seu talento pessoal.
Minha filha se escondia atrás de mim, imaginando como seria voltar para escola
depois de seu professor preferido ter sido assediado por sua mãe agradecida
—tipo bem constrangedor. Talvez ele conte essa anedota para ilustrar embaraços
da profissão.
Explico meu entusiasmo. O caso é que não se vê outra saída que não a educação para
grande parte dos problemas que enfrentamos. Não há estudo relativo aos
problemas no trânsito, ao voto consciente, à cidadania, ao racismo, à violência
obstétrica ou às drogas que não desemboque na necessidade de investir em
educação.
Educação não pode ser confundida com acúmulo de informações, obviamente, pois
isso a internet oferece, e qualquer criança que já saiba sentar tem acesso a
ela. Ao contrário, trata-se da capacidade de lidar criticamente com as inúmeras
informações que chegam. Não temos mais como proteger nossos filhos dos
conteúdos, como gostaríamos, nem como deveríamos, mas temos como ajudá-los a
questionar, avaliar. Mais do que nunca o papel do mediador entre o mundo e a
criança se torna fundamental. Como professores e pais, não nos furtemos do
nosso papel.
Os pais têm investido pesado no ensino particular desde que a escola pública
foi deixando de ser a melhor opção, destinando uma porcentagem considerável da
renda familiar à escolaridade dos filhos. Isso revela um crescente
reconhecimento da importância da escola? Depende do que cada um entende por
"escola".
Promessas como prédios que mais parecem shoppings ou bunkers e a febre da
educação bilíngue muitas vezes passam bem longe da preocupação com a
qualidade da proposta pedagógica e, mais longe ainda, das condições de trabalho
do profissional que se ocupa diretamente dos nossos filhos.
Lembremos que, mesmo quando a proposta pedagógica de uma escola é excelente,
não são os donos do negócio que a executam. São os professores, no dia a dia com
crianças e jovens, que transmitem aquilo a que desejamos tanto que eles tenham
acesso: amor pelo conhecimento, espírito cooperativo, pensamento crítico.
Minhas filhas tiveram o privilégio de estudar em escolas excelentes, com
instalações apropriadas e projetos pedagógicos arrojados, mas não foi aí que se
deu a diferença. Foi isso que tentei expressar com excessivo entusiasmo ao
professor de matemática.
Quando vamos encarar que a falta de investimento em educação vem paralisando o
país ao longo de décadas e, diferentemente da greve dos caminhoneiros, não se regularizará
em dias? Os jovens que saíram às ruas e escreveram manifestos em solidariedade
à greve dos professores da rede particular
parecem saber algo sobre isso. Sugiro que os escutemos.
Vera
Iaconelli
Psicanalista,
fala sobre relações entre pais e filhos, mudanças de costumes e novas famílias
do século 21.