Chegou
a sexta-feira, e eu concluí a leitura do livro de Kevin Ashton (MIT):
A história secreta da criatividade - descubra como nascem as ideias que podem
mudar o mundo. No post anterior eu me referi a ele, falando que o autor
desconstrói o mito do gênio e coloca a criatividade como resultado de trabalho,
trabalho e trabalho. Simples! SQN.
Hoje, vou falar de outro conceito que ele desenvolve. Não tem um nome
específico, mas para simplificar, vou chamar de interdependência ou cadeia
criativa. Significa que você nunca está sozinho quando está produzindo. No
mínimo, tem que considerar os milênios de civilização e cultura que
precederam, influenciam e - quase sempre - determinam os resultados do
processo.
É
verdade!
Eu já havia visto essa abordagem em outro livro - A angústia da influência,
de Harold Bloom. A diferença é que Bloom não desconstrói o mito do
gênio. Por uma simples razão: seu foco é a sensação dos gênios sobre o processo
de criação. O foco de Ashton é o processo de criação, comum a todos,
inclusive aqueles que recebem o reconhecimento e criam uma reputação
diferenciada.
Mas o que me faz escrever um post não são as diferenças de abordagem (as duas
fantásticas). Ashton tem um olhar muito realista para a questão da
criatividade. A criatividade, como eu acredito, não é acaso. Ela é muito mais
obstinação. Ela ajuda a superar, por exemplo, as rejeições, os fracassos, os
bloqueios, os preconceitos, os condicionamentos que são comuns a todos nós. É
simplesmente uma força que nos faz fazer mais e melhor. Em outras palavras, a
criatividade nos faz sair da zona de conforto para enfrentar o desconhecido.
"Os
tomadores de decisão e as figuras de autoridade nas empresas, na ciência e no
governo dizem que valorizam a criação mas, quando são testados, eles não
valorizam os criadores. Por quê? Porque as pessoas mais criativas tendem a ser
mais divertidas, pouco convencionais, imprevisíveis, e tudo isso as torna mais
difíceis de controlar. Embora a maioria de nós afirma que valoriza a criação,
na verdade damos mais valor ao controle. E assim tememos a mudança e favorecemos
a familiaridade. Rejeitar é um reflexo". [p. 94]
A
criatividade também depende de antecessores. É um processo de aprimoramento
contínuo, incremental. Já escrevi sobre processo incrementais, relacionados a
inovação. Mais do que explicar, Ashton demonstra essa cadeia nos
agradecimentos de seu próprio livro, correlacionando cada argumento de capítulo
a todos aqueles que indicaram fontes, sugeriram ideias, contribuíram com
críticas e novos caminhos.
Quando estamos envolvidos com a criação, seja de um post, de um avião, de um
submarino, de vacinas, a gente perde um pouco essa dimensão da cadeia, da
interdependência, porque mergulhamos fundo para achar as soluções. Mas a
propulsão para ir mais e mais fundo, normalmente é externa.
Você já parou para imaginar quanto conhecimento, processo, robôs e pessoas
estão envolvidos na produção de uma lata de Coca-Cola? Quanto tempo de criação
está envolvido numa lata de Coca-Cola?
"Houve
um tempo em que nos ajoelhávamos à beira de um riacho para pegar água com as
mãos. Agora, puxamos um anel numa lata de alumínio e bebemos ingredientes cujos
nomes não sabemos, vindos de lugares que desconhecemos, misturados de modos que
não entendemos.
[...]À
medida que a mineralização e a carbonatação se tornaram comuns, as propriedades
curativas associadas à água de fonte recuaram em favor de remédios e tônicos
que continham ingredientes exóticos, como o fruto do baobá africano e raízes
supostamente extraídas de pântanos. Muitos desses 'medicamentos patenteados'
continham cocaína e ópio, o que os tornavam eficazes no tratamento da dor
(ainda que nada mais do que isso) e também viciantes.
Um
desses remédios, inventados por John Pemberton na Geórgia em 1865, era feito de
ingredientes que incluíam noz-de-cola e fola de coca, além de álcool. Vinte
anos depois, quando algumas partes da Geórgia proibiram o consumo de álcool,
Pemberton fez uma versão não alcoólica, que chamou de 'Coca-Cola'. Em 1887, ele
vendeu a fórmula para um farmacêutico chamado Asa Candler".
O que
esta versão da história não conta é que a fórmula custou U$ 500. Acho que é
porque há controvérsias. Mas Pemberton estava falido. E Candler era, então, um
farmacêutico pobre. Mas seu mérito foi uma decisão incremental que salvou a
fórmula e criou um império: acrescentar água gaseificada à receita.
Daria para ficar esta sexta-feira inteira recontando as histórias fascinantes
do livro de Ashton que tratam de Wood Allen, South Park, aviões,
bactérias, radição, tecnologia da informação, Vila Sésamo e tantos outros
segmentos criativos nem sempre óbvios que cercam a nossa vida. Mas vou encerrar
aqui, agradecendo a Ashton por mais uma viagem via queda pela toca do
Coelho de Alice. Para uma sexta-feira cinzenta e fria em São Paulo, foi rock
and roll demais. Amei! E uma coisa é certa, vou seguir Kevin Ashton para
sempre!
Eliane Miraglia - mestre
em Ciências da Comunicação, especialista em Gestão de Processos Comunicacionais
e consultora de comunicação, tem participado em projetos com a Suporte
Educacional.
Fonte: blog da Eliane: www.elianemiragliablogspot.com.br