O Celular Seguro é seguro?
Iniciativa do Ministério da Justiça é boa, mas não é perfeita.
Ter o celular
roubado (ou furtado) no Brasil é desesperador.
As quadrilhas não
só pegam o aparelho, mas se especializaram em entrar em redes
sociais, mensagens e aplicativos financeiros da vítima para aplicar golpes.
A
ação acontece em minutos.
Os bandidos já têm um script pronto que vasculha
senhas e vulnerabilidades. Além disso, usam o "duplo fator de
autenticação" (SMS e email) para entrar em todas as contas que
conseguirem.
É no meio de uma epidemia de
furtos e roubos que o Ministério da Justiça lançou o Celular Seguro na
semana passada.
O serviço pode ser acessado por aplicativo ou pelo computador.
O funcionamento é simples.
Você cadastra seus números de celular e depois
cadastra o número de pessoas de confiança.
Feito
o alerta, o Ministério da Justiça, que é controlador do serviço, se compromete
a comunicar a Anatel (Agência Nacional de Telecomunicações), que, por sua vez,
comunica as operadoras para bloquear o aparelho através do número Imei.
O prazo
para efetuar o bloqueio é de 24 horas. Além disso, o Ministério fez parceria
com algumas instituições financeiras (Banco do Brasil, Bradesco, Itaú, XP etc.)
que também se comprometeram a bloquear os aplicativos da vítima.
O prazo varia,
mas é de cerca de 30 minutos após a notificação feita pelo Ministério.
Vale
dizer que o Celular Seguro é uma boa iniciativa.
Mas não é perfeita. Depende da
eficiência do Ministério da Justiça em fazer comunicações rápidas e dos seus
parceiros, Anatel e outros, de também agirem rápido. Nesse sentido, seu
lançamento é baseado em uma promessa exagerada.
De tornar o celular "um
pedaço de metal com pouco valor" nas mãos do bandido, palavras usadas por
representantes do Ministério no lançamento.
Isso
não vai acontecer. Primeiro porque boa parte dos celulares roubados no Brasil
são exportados para serem vendidos em outros países.
Nesses casos, bloquear o
Imei é inútil, já que o bloqueio só vale para o país. Outro ponto é que o
Celular Seguro baseia-se em uma cadeia de promessas.
Não há uma lei
regulamentando o serviço (o que, aliás, seria uma boa ideia). Há compromissos
cuja natureza jurídica não é clara.
Tentei encontrar os termos de parceria
firmados com os parceiros do Ministério para entender as obrigações reais, mas
não parecem estar disponíveis.
Ele também não bloqueia os
demais aplicativos do aparelho, nem impede que ele continue acessando a rede
por wifi.
O usuário continua com todos os ônus de se defender. Nesse sentido, o
Celular Seguro está longe de ser a solução que resolve tudo.
A comunicação do
Ministério deveria deixar isso claro, em vez de prometer o que não pode
cumprir. O serviço é mais uma linha de defesa, mas não é sequer a primeira.
Outro aspecto incômodo do
projeto é que ele cria uma lista telefônica dos usuários e das suas
"pessoas de confiança". Essas informações são protegidas por uma
política de privacidade bem redigida.
Mas um governo malicioso poderia alterar
a política para usos indesejáveis.
Como balanço geral é um projeto
a ser celebrado. Ele usa o Gov.br de forma inteligente, prevenindo fraudes e
mostrando mais uma vez a importância dessa plataforma. Sem ela, o Celular
Seguro não existiria.
Além disso, mostra na prática que cibersegurança se
faz de forma multissetorial, com o governo trazendo para a mesa o setor
privado, o terceiro setor e a comunidade científica (ainda que estes últimos
estejam ausentes do projeto). Em suma, eu usaria o serviço?
Sim. Com um olho
fechado e outro bem aberto.
RONALDO LEMOS - advogado, diretor do Instituto de Tecnologia e Sociedade do
Rio de Janeiro.