A
debate fica entre a capitalização x repartição, mas é na prática que a porca
torce o rabo
Neste texto vamos abordar a questão da Previdência
Social. A ênfase, porém, é outra. Não vamos repetir ad nauseam que a
Previdência está indo para o buraco.
I – A Previdência está indo para o buraco!
O motivo é simples: já gastamos muito com Previdência,
dada nossa estrutura etária, e insistimos em não atacar o problema porque é
espinhoso. Melhor sempre empurrar para alguém. À espera de Godot. Enquanto
isso, a população envelhece – ainda bem! – e o problema cresce.
Para quem não acredita, o gráfico abaixo, chamado
carinhosamente de “resíduo da regressão”, mostra quanto a mais ou a menos os
países estão gastando em Previdência, tendo por base sua estrutura etária – ou
seja, isolando o fato de que países com mais idosos devem mesmo gastar mais em
pensões. Como se vê, por essa métrica, apenas a Ucrânia gasta mais do que o
Brasil.
II – Capitalização x repartição
No
primeiro, você coloca dinheirinho na sua conta e dela retira depois, quando se
aposentar. No segundo, o governo taxa o cara novo e repassa para o cara
aposentado; o cara novo, claro, fica na expectativa de que o novo do
futuro financie sua aposentadoria anos depois. Nesta campanha eleitoral, a
discussão sobre qual dos dois arranjos é superior voltou à tona.
O sistema de capitalização tem a vantagem de tornar mais
difícil bulirem com o dinheiro depositado na conta que você acompanha mês a
mês. E capitalização é poupança. Repartição não é poupança, é taxação: tira de
quem está no mercado de trabalho por meio do imposto e repassa para quem não
mais trabalha --e, no final das contas, taxar o trabalho afeta salários e horas
trabalhadas. Mas o sistema de repartição tem uma vantagem em relação ao de
capitalização: nele ocorre maior diluição de riscos.
Veja só: se você está na capitalização e, perto da época
de se aposentar, ocorre uma grande queda da Bolsa de Valores, a coisa se
complica – sua poupança corre o risco de ser dizimada justamente quando você
mais precisa dela.
No sistema de repartição não tem esse risco. O governo
não desembolsa de acordo com os vagares da Bolsa ou da economia. Ele espalha
riscos entre as gerações! Como? Não pagando menos em momentos de economia
deprimida, e tampouco pagando aposentadorias mais gordas em época de economia
bombando.
Não dependa apenas do INSS: Com a
tendência de aumento da expectativa de vida do brasileiro e outros problemas
relacionados ao cenário econômico do país, ficou mais arriscado contar apenas
com a previdência social.
III – Foco no essencial e no
factível, estúpido!
Acima temos um resuminho da discussão teórica. Mas a
porca torce o rabo mesmo é na prática – neste caso ao menos.
Suponhamos que o novo governo tome a decisão de migrar
para o sistema de capitalização. O que acontece? Bom, no sistema de
capitalização todo mundo começa a depositar na sua própria conta para o futuro.
Ok, mas e o estoque de aposentados que hoje vive dos impostos pagos pelos jovens?
De novo, os jovens passaram a depositar o que antes era imposto na sua conta de
aposentadoria própria. De onde virá a grana para garantir as aposentadorias da
geração de aposentados atual?
Podemos, claro, fazer o seguinte: os que hoje
trabalham têm que continuar pagando os impostos que já pagam para sustentar os
aposentados, e precisam cuidar de colocar na sua continha para o seu futuro
como aposentado. Mas não parece muito justo com a atual geração de jovens, que
paga o imposto para sustentar a Previdência hoje com base na “promessa
implícita” de que alguém por eles o fará no futuro.
Melhor então o governo suavizar essa transição, certo?
Certo! Os jovens de hoje pagam um pouquinho de imposto para Previdência atual e
o resto dos recursos – o grosso -- o governo levanta vendendo títulos de
dívida, a serem repagos lá na frente, por outras gerações. Ok, mas de quanto
estamos falando, mais ou menos? Ah, nada para assustar, um pouco mais que 100%
do PIB em dívida adicional. O quê? Mas ninguém vai querer comprar mais dívida
de um país já altamente endividado ! Vocês estão loucos?
Justamente, a questão da transição é bem da complicada.
Por isso faz mais sentido garantir a sustentabilidade do sistema atual. Apesar
de parecer difícil – e politicamente é difícil --, isso só exige duas coisas:
instituir uma idade mínima que varie automaticamente com mudança na expectativa
de vida da população e acabar com os absurdos privilégios de algumas classes de
funcionários públicos.
Pronto: ao fazer está equacionado o problema.
Fonte: jornal Folha de São Paulo