O surgimento da Economia Comportamental
As ideias por trás dessa nova
abordagem surgiram na década de 80, quando um jovem psicólogo do exército
Israelense - Daniel Kahneman – tentava descobrir quais soldados se transformariam
em bons oficiais.
Kahneman submeteu seus homens a um exercício não muito usual: organizados em
grupos de oito, suas insígnias eram arrancadas para que ninguém soubesse quem
tinha o maior posto. Então, precisavam levantar um enorme poste de telefone e
passá-lo por cima de uma parede de 3m de altura.
Ele achava que esse exercício seria incrivelmente revelador. “Poderíamos ver
quem seria o líder, quem estaria no comando, quem desistiria e quem faria corpo
mole. Os comportamentos que presenciasse, seriam os mesmos que teriam em
situações de combate”, disse Kahneman.
Certos de sua convicção, Kahneman e seus colegas psicólogos faziam, ao final do
exercício, suas escolhas dos melhores homens e os recomendavam para a escola de
treinamento de oficiais. Só havia um problema: as escolhas de Kahneman e seus
colegas se mostraram horríveis.
O feedback que Kahneman recebia a cada mês e pouco, indicava não haver
absolutamente nenhuma relação entre o que eles viam e a avaliação que os
examinadores da escola de treinamento oficiais faziam ao observarem - por seis
meses - os alunos enviados.
O mais impressionante, no entanto, é que apesar do feedback negativo, a fé de
Kahneman em sua própria habilidade permanecia inabalável: “No dia seguinte,
mesmo depois de receber as estatísticas da escola, colocávamos os soldados
defronte daquela parede, dávamos um poste para eles e ficávamos tão convencidos
como nunca de que sabíamos exatamente que tipo de oficiais eles seriam”.
As pessoas fazem escolhas
irracionais
Kahneman foi surpreendido pela pura
força visceral de sua própria certeza. Ele acabou cunhando uma frase para isso:
“ilusão da validade”. Esse é um problema que nos afeta a todos, explica
Kahneman, que ganhou o Prêmio Nobel de economia em 2002 pelo seu trabalho nessa
área.
De corretores de ações, participantes de planos de previdência, a jogadores de
baseball, as pessoas tem uma enorme confiança no seu próprio julgamento, mesmo
diante da evidência de que seu julgamento está errado.
Mas essa falha é apenas uma dos muitos erros cognitivos identificados por
Kahneman e seu colaborador mais próximo, o psicólogo Amos Tversky. Por mais de
uma década os dois catalogaram as formas pelas quais a mente humana
sistematicamente comete erros de interpretação do mundo a sua volta.
Kahneman e Tversky identificaram, por exemplo, o viés de “ancoragem", um
fenômeno pelo qual após você ter sido exposto a um número, você passa a ser
influenciado por esse número, quer você queira quer não.
É por isso que o pagamento mínimo sugerido no seu cartão de crédito, por
exemplo, tende a ser baixo. Aquele número baliza as suas expectativas, então
você acaba pagando menos do que poderia e os juros fazem o saldo remanescente
aumentar. A empresa de cartões de crédito ganha mais dinheiro do que se você
não tivesse sido influenciado pelo número baixo.
Em suas pesquisas, Kahneman e Tversky identificaram dezenas de erros de
julgamento como esse, que juntos pintam um determinado quadro sobre o animal
humano. Os seres humanos, no final das contas, nem sempre tomam decisões
acertadas e frequentemente fazem escolhas que não são do seu melhor interesse.
Essa revelação não chega a ser uma novidade no mundo da psicologia, no qual as
pessoas são pintadas das formas mais esquisitas que se possa imaginar. Se as
ideias de Kahneman e Tversky tivessem ficado simplesmente restritas ao mundo
acadêmico da psicologia, não haveria muito mais para se contar.
A economia se mistura com a
psicologia
O economista Richard Thaler, que era frequentemente mencionado como forte
candidato a um Nobel e merecidamente foi laureado agora em 2017 com o Nobel de
Economia, integrou ao mundo econômico as ideias de Kahneman e Tversky sobre a
irracionalidade humana.
Hoje um respeitado professor na Universidade de Chicago, Thaler foi apresentado
ao trabalho da dupla quando ainda era um jovem professor. Ficou tão
entusiasmado com o que viu, que se dispôs a passar um ano inteiro em Stanford,
onde os dois psicólogos lecionavam.
Durante três anos no campus de Stamford, Kahneman e Tversky ensinaram Thaler
sobre psicologia e Thaler, por sua vez, os ensinou sobre economia.
No início dos anos 90, o trabalho do trio começou a ser publicado, integrando à
economia as ideias resultantes das pesquisas de psicologia – com o processo de
tomada de decisões no centro de tudo.
No início, os maiores economistas rejeitaram o trabalho. O maior ponto de
controvérsia foi a sugestão de que os seres humanos não são perfeitamente
racionais quando tomam decisões. Isso era algo impensável nos modelos econômicos
da maior parte do século 20, em vigor até hoje, que pressupõe seres humanos de
uma racionalidade igual ao do Spock de Guerra nas Estrelas.
"Os economistas assumem literalmente que os agentes em seus modelos são
tão espertos quanto o mais esperto dos economistas. Não apenas espertos: Não
temos problema de obesidade, não bebemos demais e poupamos o suficiente para a
aposentadoria”, disse Thaler. “Mas claro que as pessoas que conhecemos não são
assim", concluiu.
Por quê os economistas assumem que o ser humano é hiper-racional? Porque usar
um ser humano racional nos seus modelos matemáticos, funciona. Durante décadas
os humanos idealizados pelos economistas ajudaram a prever de tudo, do comércio
exterior aos preços de mercado e as coisas funcionaram razoavelmente bem. Por
isso é difícil introduzir um comportamento humano mais realista nos modelos
econômicos.
O desafio de assumir um ser humano
irracional
"A economia comportamental
identificou uma miríade de fobias humanas. Claramente não podemos incorporar todas
elas (em nossos estudos) e as pessoas acham que incorporar apenas um erro no
seu modelo é tão irrealista quanto não incorporar nenhum”, explica Ed Glaeser,
um professor de economia da Universidade de Harvard.
Mas, provavelmente, há outra razão para a resistência dos economistas. Um ser
humano sem uma racionalidade perfeita desafia a ideia de que os mercados
funcionam por que contam com indivíduos que fazem as melhores escolhas para si
próprios.
"Aceitar meramente que as pessoas simplesmente não tomam as melhores
decisões em benefício próprio é politicamente explosivo. No momento que você
admitir isso, você passa a ter que proteger as pessoas delas mesmos”, diz
Kahneman. Em outras palavras, se o cérebro humano é programado para cometer
erros graves, isso implica ser necessário toda sorte de regulamentação e
proteção.
Thaler e Sunstein, em seu livro cujo título é “Nudge: Improving Decisions
About Health, Wealth and Happiness”, argumentam que as pessoas são tão
bombardeadas por informação hoje em dia, que tendem a manter o status quo ao
invés de poupar para a aposentadoria. A lição é clara para os formuladores de
política, dizem eles:
"Se você quer que as pessoas participem de um plano de previdência
complementar, então façam a adesão automática delas – e deixe que elas digam
que não querem participar do plano, se for isso que elas desejarem". Você
precisa dar um empurrãozinho na direção certa.
A pesquisa pula da psicologia para
as políticas públicas
Críticos como Glaeser, no entanto,
estão preocupados e à ele se juntam muitos outros, receosos com o que possa
acontecer diante da intervenção do governo nos mercados.
Apenas porque os seres humanos não tomam decisões perfeitas, não significa que
o governo tenha que esticar a imaginação delas. Afinal de contas, os governos
também são feitos de pessoas. Sujeitas as mesmas fobias e fraquezas como todos
nós”, alerta Glaeser.
Thaler, no entanto, argumenta que os formuladores de políticas públicas não
precisam ser hiper-racionais para ajudar as pessoas a tomarem melhores
decisões. E cita um exemplo:
Qualquer Americano (e isso vale também para nós, Brasileiros) que vá a Londres
percebe que está colocando a sua vida em risco toda vez que tenta atravessar a
rua, porque os carros vem da direção errada. Olhamos instintivamente para a
esquerda, mas se você olhar para a esquerda, será atropelado por um ônibus de
dois andares.
Para nos ajudar, explica Thaler, alguém no governo Britânico decidiu escrever
nas calçadas das esquinas mais movimentadas, cheias de turistas Americanos (ou
Brasileiros), as palavras: "look right" (olhe para a direita).
"Os burocratas Britânicos não são mais inteligentes do que os Americanos,
mas eles sabem que os turistas tendem a olhar para o lado errado e que poderiam
dar uma ajudazinha para evitar que sejam atropelados por um caminhão”,
concluiu.
Na sequencia do Nobel de Economia concedido a Richard H. Thaler, os governos
mundo afora e logo, logo, o nosso também, passarão a moldar suas políticas
públicas de modo a evitar que todos nós sejamos atropelados por caminhões:
caminhões de saúde, caminhões de previdência, caminhões financeiros, vindos de
todas as direções e afetando todos os aspectos de nossas vidas.
Apenas o tempo dirá se esse é mais um modismo ou se a aplicação da economia comportamental
às políticas públicas ajudará o homem na linha da evolução ... nesse meio
tempo, parabéns ao Richard Thaler e a todos que dedicam suas vidas a entender
esse complexo animal que somos nós, seres humanos.
Particularmente, não creio que nosso cérebro tenha sido programado para tomar
decisões que numa análise isolada possam parecer “erradas”. A natureza tem suas
próprias razões para ter nos feito assim. Quem sabe, seja a forma dela se
proteger, no longo prazo, contra os efeitos nefastos que os humanos possam
causar aos demais seres vivos ....