Relegada
por décadas, etapa finalmente entra na pauta do Estado brasileiro
A escola pública é uma personagem rara no imaginário
brasileiro. Faça esse exercício e pesquise em filmes, livros e séries feitas no
país. Com a exceção das últimas temporadas de “Malhação”, da TV Globo, as
instituições de ensino mantidas e frequentadas por milhões de brasileiros não
aparecem em primeiro plano.
Antes de cair naquela frase feita, a infatigável “isso a
mídia não mostra”, cabe entender as razões dessa ausência esplendorosa. Nos
EUA, há um filão de filmes e séries sobre a “high school”, o ensino médio
deles. Na Europa ocidental, há livros, filmes e até músicas. Em um dos melhores
filmes japoneses recentes, “Entre-Laços”, de 2017, a escola é central na trama.
Bem, isso só é possível porque esses países
universalizaram a educação básica faz décadas. Uma instituição só entra no
imaginário se ela faz parte da vida de todas as pessoas. E, nesses países, a
escola entrou na agenda na primeira metade do século 20. Originalmente, o
ensino médio foi criado para formar gerentes e preparar (poucas) pessoas para a
universidade. Era para a elite do país. Porém, com economias cada vez mais
complexas, ele passou do opcional para o obrigatório em pouco tempo.
Aula
do do professor Paulo Augustinho, 29, no Colégio Santo Antônio de Lisboa com
modelo de educação high school
O Brasil ingressou tarde nesse movimento. Até a lei de
1971, o ensino obrigatório durava quatro anos. Era o antigo primário.
Resultado? Em 1960, a escolaridade média de um homem era de 2,4 anos. De uma
mulher, 1,9 ano. O Brasil virou uma economia grande com baixíssima educação.
Não tinha como ser sustentável.
Com a mudança na lei e no financiamento, os resultados
vieram. Em 1980, os números já tinham melhorado. A escolaridade média era de
3,9 anos para homens e 3,5 anos para mulheres.
Porém, foi só com a Constituição de 1988, as leis dos
anos 90, a reorganização do Ministério da Educação e os fundos de
desenvolvimento da educação básica que evoluímos. Hoje, a média é de 8 anos de
estudo, embora com grandes desigualdades por sexo, região e renda. E, é bom
lembrar, essa média é inferior ao dos nossos vizinhos do Mercosul, só para
ficar em países próximos.
Essa evolução lenta tem vários motivos. O ensino médio e
o ensino infantil só se tornaram obrigatórios a partir de 2009, com a emenda
constitucional 59. Parece mentira para você, caro leitor, estimada leitora,
criados em ambiente escolar, mas é verdade. Ensino médio só virou direito de
todos os brasileiros há menos de dez anos. A escolarização obrigatória, agora,
vai dos 4 aos 17 anos.
Essa falta de atenção deixou um legado trágico. Mais da
metade dos adultos do país não completou essa etapa. No final deste ano, cerca
de 25% dos alunos que iniciaram o ensino médio vão abandoná-lo, não vão se
matricular para 2019 ou serão reprovados, segundo estudos recentes. Os números
até estão evoluindo, mas em ritmo insuficiente para garantir o direito à
educação para adolescentes e adultos matriculados na EJA (Educação de Jovens e
Adultos, feita justamente para a metade da população sem ensino básico completo).
Porém, não basta escrever em lei que o ensino médio é
obrigatório. Ele precisa dialogar com os jovens e com as famílias deles, que
muitas vezes contam com o trabalho dos meninos e meninas para trazer o pão de
cada dia para dentro de casa. Uma escola sem sentido é um convite ao abandono.
Por isso que, apesar de algumas ressalvas, considero a
reforma do ensino médio um avanço para o Brasil. É a minha reforma dos sonhos?
Não. Mas é um passo importante para discutirmos qualidade e atratividade dessa etapa
de ensino.
Afinal, o Brasil engessou o ensino médio com uma
infinidade de disciplinas sem pensar em como torna-lo atrativo para a vida de
milhões de brasileiros. Desenhamos uma etapa para servir a algumas provas de
vestibular que, grosso modo, só eram feitas por filhos das classes média e
alta. Resultado? As pessoas acham que a escola não é para elas e a
universidade, um sonho irrealizável. Ao desenhar para poucos, nós excluímos
milhões. Convidamos as pessoas à ignorância.
Hoje, somos um dos poucos países em que os adolescentes
têm apenas um caminho para se formar no ensino médio. Argentina, Austrália,
Colômbia, Equador, Finlândia, França, Japão, Suíça... Todos esses países são
mais flexíveis do que o Brasil. Por isso, não podemos cair no autoengano de
achar que menos disciplinas equivalem a uma educação pior. É preciso, sim,
fiscalizar e cobrar os Estados para implantar o novo ensino médio com
qualidade. Exemplos não faltam no próprio Brasil.
Duvida? Vá a Pernambuco. Embora com restrições de
orçamento, o Estado implantou ensino em tempo integral, ofereceu disciplinas
eletivas nas escolas e tem conseguido atrair e manter os estudantes no ensino
médio, inclusive nas regiões mais pobres (os novos modelos foram implantados,
primeiro, nas escolas com resultados ruins, para não acentuar desigualdades).
Tudo é maravilhoso? Não. Algumas escolas têm bons
laboratórios e péssimos banheiros. Mas é sinal de que um projeto claro, pensado
além das caixinhas das disciplinas, pode funcionar. Se eu tivesse de apostar,
diria que, no futuro, teremos um filme bonito sobre o Brasil com uma escola
pernambucana de cenário principal.
Leandro Beguoci - diretor editorial de Nova Escola (novaescola.org.br).
Ele explica sobre o que funciona (e o que não funciona) na educação brasileira.
Fonte: jornal FSP