Sucessão: VGBL nem sempre é a solução
Idade
não é determinante para investir em VGBL visando a sucessão patrimonial.
A partir de certa idade, é natural que as pessoas
afortunadas que conseguiram acumular um bom patrimônio se interessem por
conhecer as alternativas de sucessão do patrimônio aos herdeiros, fazendo
respeitar sua vontade, dentro dos limites legais, e reduzindo os custos de
transmissão, sempre que possível.
A idade é um gatilho para as pessoas começarem a
pensar no assunto e é, também, um gatilho para os agentes comerciais ofertarem
planos de previdência apresentando argumentos
relacionados às características exclusivas do produto, como não participar do
inventário e ser isento da incidência do Imposto sobre Transmissão Causa Mortis
e Doações (ITCMD).
Hoje eu trago
o caso de ML, uma leitora da Folha, que tem sido
insistentemente contatada por um agente comercial tentando convencê-la a
aplicar os recursos da mãe idosa em um VGBL.
Os argumentos dele focam o produto que quer vender:
não participar do inventário e ser isento da incidência do ITCMD; os números:
valor estimado de R$ 60 mil de imposto e custo elevado do advogado; e
fundamentam a recomendação de investir 70% dos recursos no VGBL.
O entendimento predominante na jurisprudência é o
de que um VGBL não deve ser considerado como herança.
Assim, não integra o
inventário dos bens, ficando, portanto, livre da incidência do ITCMD (4% no
estado de SP). Isso basta para recomendar a alocação de quase todo o dinheiro
disponível? Não.
A idade, embora importante, não é determinante para
a oferta e a compra de planos de previdência visando a sucessão patrimonial.
Existem outros aspectos a serem considerados.
Vamos ampliar o olhar, enxergar além dos números e
do produto, conhecer a pessoa, a dona do dinheiro e seu contexto familiar.
A mãe de ML tem 86 anos de idade e sofre do mal de
Alzheimer. O dinheiro em questão representa todo o seu patrimônio e está
investido em uma aplicação de renda fixa com liquidez diária.
Os filhos, futuros herdeiros, não veem problema em
pagar o imposto, apesar do alto valor, e não têm pressa, podem esperar o
término do inventário para terem acesso ao dinheiro, se ainda houver.
O custo
do advogado não se aplica ao caso dela, considerando que um dos filhos é
advogado.
Quero ampliar a lista de argumentos e introduzir
novos aspectos para que a reflexão e a tomada de decisão de ML e seus irmãos
seja a mais adequada.
A taxa de administração do plano de previdência, um
percentual anual sobre o capital, pode se equiparar ou ultrapassar o custo do
ITCMD que se pretende evitar.
E estou assumindo que não haverá outros encargos,
como taxa de carregamento ou taxa de saída, que encarecem ainda mais o produto.
Não podemos esquecer a incidência do Imposto de Renda sobre os rendimentos.
Considerando a idade avançada e a necessidade de liquidez, o plano seria
contratado com o regime tributável que adota a tabela progressiva de alíquotas.
O beneficiário do plano pagará 27,5% de IR, quando poderia pagar apenas 15% ou
nada, se optasse por produtos isentos de imposto.
A liquidez do produto é limitada, só admite resgates a cada 60
dias. Considerando a condição de saúde da matriarca e eventual necessidade de
recursos imediatos, o VGBL não é adequado para quem precisa de ampla liquidez.
Depois de avaliar todos esses aspectos, os filhos concluíram ser
mais adequado manter o dinheiro em aplicações líquidas, isentas de IR, e pagar
o ITCMD na ocasião da transmissão do patrimônio.
Sábia decisão. Muitas vezes é melhor relevar aspectos financeiros, como o custo
de inventário e imposto sobre transmissão de herança, e privilegiar os aspectos
que conferem segurança, conforto e bem-estar a todos.
Que o dinheiro permaneça a serviço da mãe de ML enquanto ela
viver.
MARCIA DESSEN - Planejadora financeira CFP (“Certified Financial Planner”), autora de
“Finanças Pessoais: O Que Fazer com Meu Dinheiro”.