Ação do Twitter contra Musk é novo reality
Documento
da empresa é a peça de entretenimento mais divertida dos últimos tempos.
A peça de entretenimento mais divertida e
interessante dos últimos tempos não é um filme, nem série, nem show.
É o
documento apresentado pelo Twitter na ação que a empresa move contra o bilionário Elon Musk por
ter se recusado a seguir em frente com sua oferta de compra.
A peça é não só interessante e bem-feita como
divertida de ler. Tem drama, humor, ironia e um supervilão. Funciona como o primeiro episódio
bombástico de um reality show que provavelmente irá durar por muito tempo.
A primeira coisa que chama a atenção no documento é
sua clareza e narrativa enxuta. Diferentemente da língua falada por advogados e
juízes no Brasil, que é propositalmente difícil e falsamente rebuscada, a
reclamação do Twitter é de uma precisão invejável.
Isso ilustra não só a
tradição legal dos EUA —que é mais simples e acessível de fato do que a
brasileira— como também um desejo de que o texto seja lido por muita gente,
inclusive por não advogados.
Em outras palavras, para vencer o Twitter, vai
precisar ganhar corações e mentes em uma batalha que é fortemente legal, mas
tem também um componente político.
Para quem não acompanhou o caso de perto, vale um
resumo. Musk propôs comprar o Twitter por um preço exorbitante,
54% acima do seu valor de mercado na data da oferta.
No entanto,
pouco depois de fazer sua proposta, os mercados globais mudaram completamente.
Houve alta de juros nos EUA, e o acesso fácil a capital secou.
Além disso, as
ações da Tesla, principal fonte da riqueza de Musk, desabaram em comparação com
seu pico de meses atrás. O mesmo aconteceu com as ações do Twitter.
Em suma, Musk ficou com uma caveira de burro nas
mãos. Assumiu a obrigação de comprar uma empresa por um valor US$ 17 bilhões
acima do mercado.
Além disso, viu derreter as possibilidades de conseguir
financiar sua oferta para conseguir pagar o preço total de US$ 44 bilhões.
Em outras palavras, Musk cometeu um erro grosseiro.
Era previsível uma alta de juros no horizonte.
Para se livrar da obrigação de
seguir em frente, alega agora que o Twitter não apresentou dados
necessários para a compra, incluindo um balanço do número de contas
falsas e robôs na plataforma.
O documento apresentado pelo Twitter demole cada
argumento de Musk. É um texto que pinta o empresário como um bilionário
irresponsável.
Chega a dizer que sua "tentativa de fugir do negócio é um
modelo de hipocrisia". De fato, a aventura malsucedida de adquirir o
Twitter mergulhou a empresa no caos, levando à saída de funcionários e
executivos.
Além disso, só aumentou a queda das ações da empresa.
O que poderá acontecer no futuro? O preço do
Twitter baixou tanto que há a possibilidade de outro proponente aparecer para
comprar a empresa. Não seria algo surpreendente no cenário atual.
Outra possibilidade é o caos causado por Musk
tornar o Twitter progressivamente inviável, levando a uma perda crescente de
mercado. Um acordo também é possível.
Seja lá o que acontecer, Musk arrumou uma dor de
cabeça. Talvez essa ação sirva para definir alguns limites para o que
bilionários incautos podem fazer.
RONALDO
LEMOS - advogado,
diretor do Instituto de Tecnologia e Sociedade do Rio de Janeiro.