Se as lágrimas rolam, é porque o cérebro desistiu
de controlar a situação
Às vezes é de
tristeza, às vezes é de felicidade, às vezes é de alívio
Eu andei chorando ultimamente, e em circunstâncias
totalmente diferentes.
Primeiro foi ao ver a Rebeca Andrade ser reverenciada no pódio
pelas colegas após cravar sua apresentação no solo. Mais tarde, no fim das
férias, na hora de deixar a casa dos meus pais e pegar avião de volta para
casa, nos EUA.
Depois, de volta à paz do meu escritório após 90 minutos de uma
reunião tão exaustiva e exasperante com meu chefe de departamento que usou toda
a minha capacidade de autocontrole.
E, na semana passada, ao ler no Threads
que Steve Silberman, um dos meus heróis pessoais,
autor do livro "Neurotribos",
havia morrido aquela
noite, do nada, aos 66 anos de idade.
E às vezes eu choro só de chegar em casa e abraçar
meu marido apertado. Ele, por sua vez, chora ouvindo música, e às vezes só de
me contar histórias sobre os heróis pessoais dele.
O que tantos choros diferentes têm em comum?
E o
que nos faz chorar? Note que esta pergunta é muito diferente de: "para quê
chorar?".
Após consultar a literatura e rodar alguns
experimentos mentais, acho que cheguei, se não a uma conclusão, ao menos a uma
hipótese de trabalho –o que está ótimo, porque é de hipóteses testáveis e
falsificáveis (quer dizer, que podem ser refutadas) que a ciência é feita.
Acho que o choro é o que acontece quando o cérebro
para de tentar se segurar em uma situação de tensão.
Minha busca na literatura científica deu surpreendentemente
poucos resultados: há pouca gente mundo afora estudando o choro.
Mas já se
aprendeu que a parte sobre derramar lágrimas é controlada não pelo tal do
sistema nervoso simpático, e sim pelo parassimpático.
Os
nomes são antiquados, as funções não são bater ou correr, e a divisão real é
entre as funções viscerais comandadas pela medula espinal ou pelo tronco
cerebral –mas procede que a divisão craniana, ex-parassimpática, de fato
promove um retorno à calma após a tensão.
A
implicação, portanto, é que aquilo que produz o choro não é a tensão, mas a
resolução da tensão, o que casa com o pouco que se sabe além disso: o córtex
pré-frontal, o Grande Supervisor do cérebro, está envolvido, junto com o córtex
cingulado anterior, que representa conflitos.
Além disso, hoje se sabe, essas
duas estruturas têm não só os movimentos como também a fisiologia do corpo sob
o seu controle, através do tronco cerebral —o tal que controla as lágrimas.
Minha
hipótese, portanto: acho que o choro acontece quando o córtex pré-frontal, que
estava sob tensão acumulada e controlada, subitamente se vê livre dela.
Pode
ser porque a situação antecipada (e temida) finalmente chegou e passou, ou
porque o problema angustiante se resolveu, ou porque se chegou a um lugar
seguro onde a gente pode parar de tentar controlar a situação.
Ou, às vezes,
porque a gente se dá conta de que não há o que fazer mesmo.
Talvez
o ato de chorar até acalme fisicamente o corpo (há controvérsia).
Mas o mais
importante é o que vem de cima: quando há choro, é porque o córtex pré-frontal
parou de tentar, se desarmou… e relaxou.
Às vezes é de tristeza, às vezes é de
felicidade, às vezes é de alívio. Às vezes é superação; às vezes é derrota.
Mas, o que quer que fosse que seu cérebro estava carregando, acabou.
SUZANA HERCULANO-HOUZEL - bióloga e
neurocientista da Universidade Vanderbilt (EUA).