Capitalismo de compadrio


Os desmandos nas relações público-privadas levaram as contas públicas à ruína.

Pouco a pouco o complexo mapa de favorecimentos com que o setor público brinda segmentos privados e grupos profissionais específicos à custa da eficiência da economia e do bem-estar social vai ganhando contornos claros e precisos.

Tais benefícios se traduzem em benesses de toda ordem, incluindo acesso a capitais subsidiados, o usufruto de incontáveis desonerações fiscais e as mais variadas vantagens à elite do funcionalismo público, como aposentadorias, pensões e auxílios para lá de generosos.

O resultado é visto a olho nu e está na raiz da crise econômica que aprisiona o país: um Estado inchado, disfuncional e incapaz de arcar com tantas e caríssimas regalias aos "donos" desse mesmo Estado.

Nesse contexto, vem em muito boa hora a segunda edição do livro "Capitalismo de Laços", de Sérgio G. Lazzarini, professor do Insper.

A edição anterior, de 2010, teve grande repercussão.

A partir de sólida formulação teórica associada a uma base de dados bem trabalhada, o autor expôs a extraordinária evolução no uso das relações de compadrio para explorar oportunidades de mercado e influenciar decisões em benefício de interesses privados, o que, em resumo, caracteriza o que ele chama de "capitalismo de laços".

Isso se deu a despeito de uma conjuntura que sinalizava o início de uma tímida inserção internacional, indicando que a economia trilharia uma trajetória mais liberal, impulsionada ainda por privatizações, ingresso de fundos estrangeiros e uma onda de aberturas de capital de empresas após 2004.

Nada disso, porém, apresentou fôlego suficiente para uma virada significativa no modelo econômico do país.

Nosso capitalismo de laços "tornou-se, surpreendentemente, ainda mais forte", sobretudo por causa do gigantismo de agências de crédito ao setor privado, como BNDES e fundos de pensão das estatais.

O intervencionismo do governo de Dilma Rousseff (PT) intensificou esse movimento, abrindo espaço para um jogo de pressões políticas que influenciou estratégias empresariais, fomentou a corrupção e elevou exacerbadamente os subsídios concedidos pelo setor público.


Em 2012, a então presidente Dilma Rousseff e a ministra do Planejamento, Miriam Belchior participam da apresentação de projeto do PAC (Programa de Aceleração do Crescimento) em Brasília

 

Em síntese, pavimentou o caminho para a ruína das contas do governo.

Para reverter esse quadro, propõe Lazzarini, é fundamental racionalizar os gastos públicos, impor acurado acompanhamento das estratégias de apoio setorial e blindar a burocracia de Estado, as agências de fomento e os fundos de pensão contra o assédio de grupos de interesse.

Uma sugestão adicional, a nosso ver, seria promover uma ampla abertura do mercado brasileiro para bens e serviços.

Lazzarini alerta que a modernização da economia não virá de guinadas radicais das políticas que orientam a ação do Estado e, sim, da implantação gradual e resoluta de um conjunto de reformas.

É um futuro que só se concretizará a partir de um processo de renovação política e de uma atitude mais exigente e vigilante pela sociedade.

O autor conclui: "Crucial será estabelecer novos incentivos para que as relações público-privadas se tornem mais transparentes e sinérgicas, sob a condução de múltiplas lideranças questionando umas às outras e colocando freios aos seus próprios excessos e interesses particulares".

Só assim vamos superar a inoperância do Estado.

Seu mais recente e trágico exemplo foi o incêndio que dizimou o magnífico acervo e o prédio do Museu Nacional no Rio de Janeiro.

As imagens do palácio de 200 anos consumido pelas chamas são um triste símbolo do Brasil de hoje.

 

Pedro Luiz Passos - empresário, conselheiro da Natura.

Fonte: jornal FSP

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