Ao
ouvirem notícia desagradável sobre seu candidato, as pessoas sofrem um
desconforto mental pela dissonância cognitiva
Marian Keech dizia receber mensagens oriundas do suposto
planeta Clarion e convincentemente angariou um grupo de seguidores.
Em 21 de dezembro de 1954, ela reuniu seu séquito para
esperar um disco voador que os salvaria, já que a Terra seria purgada de
humanos exatamente naquele dia. Só a trupe de Keech sobreviveria no cosmos,
como os únicos terráqueos restantes em todo o Universo. Eles até abandonaram
seus empregos, já que a vida terrestre seria destruída.
Ali infiltrado estava o psicólogo Leon Festinger, que
havia percebido uma grande oportunidade. Não para ver de perto uma supernova,
mas para estudar o comportamento humano.
Como Festinger esperava, a nave espacial não veio. Para
salvar sua reputação, Keech mudou sua teoria e sua atitude. Antes
reclusa, passou a dar entrevistas. Afirmava que recebera uma nova mensagem
cósmica: o pequeno grupo havia espalhado tanta luz que a Terra fora salva. E os
membros do seu grupo continuaram a segui-la.
Após esse fato e outros experimentos, Festinger
escreveu um livro sobre teoria da dissonância cognitiva. O que seria isso?
Quando nós, humanos, estamos diante de um impasse, em que nossa atitude não
está de acordo com nossos pensamentos, temos uma dissonância cognitiva
desconfortável e ficamos frente às alternativas que devemos escolher.
Resolvemos isso mudando a ação ou a justificativa da ação.
Mulher se olha em vitrine de loja em Nova York, nos anos
1960
Keech e seus asseclas teriam, ao menos, duas alternativas:
assumir o engano ou criar uma teoria para explicar a falta da nave salvadora.
Passaram, então, a aceitar convites para programas de TV e elaboraram uma
teoria estapafúrdia para proteger a crença no planeta Clarion.
Assim, restauraram a consistência do pensamento e reduziram o estado de
tensão desagradável da dissonância cognitiva.
E os presidenciáveis com isso? Eu tenho certeza de que o
que escreverei a seguir não se aplica a você, mas a algum conhecido de
quem você discorda.
Uma pessoa diz que votará no honestíssimo senhor X, pois
sua atuação política pregressa trouxe avanços para a população. Entretanto,
indicadores sociais mostraram que tais progressos não se sustentaram. E X,
outrora reconhecido por sua integridade, em campanha despacha notícias falsas
para ter todo o tipo de vantagem, algo que contradiz sua suposta decência. E
também surgem noticias de que X já recebeu vantagens materiais após ajuda
política a grupos privados.
Ao confrontar essas novidades, o voto em X não será mais
justificável. Seu conhecido sofrerá um desconforto mental pela dissonância
cognitiva. E agora? Ou a pessoa muda de candidato ou reelabora a
justificativa do voto. O pensamento voltará à consistência se ele disser que X
é quem rouba menos, que X não sabe das falcatruas e que é tudo um complô .
Já existem bases de conhecimento neurológico que
explicam a dissonância cognitiva, como as desvendadas pelos cientistas Vincent
van Veen e Johanna Jarcho. O córtex cingulado, que fica próximo ao “centro” do
cérebro, percebe a inconsistência entre atitude e pensamento, assim como o
resultado obtido e o resultado esperado. A ínsula cerebral é ativada e causa a
sensação de mal-estar. Os lobos frontais elaboram uma solução e a ínsula é
silenciada.
É
possível predizer que a sensação desconfortável gerada pela dissonância
cognitiva pode até mesmo fazer com que evitemos outras situações de conflito.
Assim, buscaremos informações que não mudarão nossa opinião e refutaremos o
contraditório antes de analisá-lo.
Luciano
Melo - médico neurologista, escreve
sobre o cérebro, seus comandos, seus dilemas e as doenças que o afetam.
Fonte:
coluna jornal FSP