Uma ajudinha esperta para dormir bem
A inteligência
artificial chegou aos equipamentos contra apneia do sono
Olha aí um bom uso de inteligência artificial e que merece seu
nome: os aparelhos de pressão de ar positiva agora aprendem a acompanhar a
respiração do usuário em vez de simplesmente aplicarem pressão sobre os
pulmões.
O resultado é uma noite de sono de qualidade como havia muito já não
se tinha, no caso de pessoas com apneia obstrutiva do sono.
(Apneia é um nome quase bonitinho que não dá noção
da severidade do problema, então deixa eu usar o português comum: parada
respiratória, que é bem mais assustador. Assustei? Ótimo!)
Se você sempre acorda cansado, precisa dormir muito
para se sentir descansado ou se quem dorme ao seu lado se queixa do seu ronco
constante ao longo da noite a ponto de ameaçar mudar de quarto, você é um forte
candidato a um diagnóstico de apneia obstrutiva do sono.
O problema é resultado do colapso da traqueia sob o
peso do pescoço quando o adormecido entra em sono REM, cheio de sonhos, e a
musculatura do pescoço relaxa completamente.
Isso, aliás, é exatamente o que
faz cair a cabeça de quem precisa dormir sentado em ônibus ou avião, acordando
o adormecido e transformando o sono sentado numa forma de autotortura.
Para quem dorme deitado mas tem problema de
sobrepeso, a perda do tônus muscular durante o sono profundo pode acabar
causando o próprio despertar, exatamente como se a pessoa estivesse dormindo
sentada.
A causa é o estrangulamento da traqueia, que é uma mangueirinha da
grossura de um dedo indicador feita só de cartilagem.
Um pouquinho só de estrangulamento perturba o fluxo
de ar pela traqueia, normalmente laminar, lisinho e silencioso, mas agora
turbilhonado de um jeito perfeitamente audível: é o ronco, que acorda quem está
por perto.
Mais estrangulamento e a obstrução da traqueia se torna grave o
suficiente para interromper a troca do ar dos pulmões a ponto de o cérebro
ficar afogado em gás carbônico –o que faz o cérebro acordar.
Talvez o estrangulamento da traqueia cause apenas um
despertar imperceptível, tanto do dono quanto do vizinho; ainda assim, qualquer
despertar atrapalha o repouso, sobretudo quando é repetido dezenas de vezes ao
longo da noite.
Quando a apneia é grave, são bem mais de 200 eventos de parada
respiratória em uma noite só, porque a pessoa entra em apneia assim que
adormece de novo. Não há quem descanse assim.
Há mais de 20 anos que as máquinas ajudam quem
sofre do problema, aplicando pressão positiva contínua ao ar que se respira
através de uma máscara –como foles, mesmo, empurrando ar para dentro na marra.
O resultado era notável para quem precisava, só que, contínua, a pressão também
agia... contra a expiração. Funcional, mas um tanto burro, no sentido de
inflexível.
Entram em cena, em tempos de inteligência
artificial, os circuitos que permitem aprendizado por máquinas, ou
"machine learning", e agora os apneicos contam finalmente com ajuda
externa flexível e, portanto, de fato inteligente pela minha definição: as
máquinas que leem a pressão do ar e aplicam pressão somente quando necessário,
ajustando-se automaticamente ao ciclo de sono do usuário.
Agora sim. Dormir atrelado a um tubo não é o sonho
de ninguém, mas se é o que permite o sono próprio e o do próximo, que maravilha
é possuir a tecnologia!
SUZANA HERCULANO -HOUZEL - bióloga e neurocientista da Universidade
Vanderbilt (EUA).