A tecnologia tem causado profundas transformações no jornalismo que conhecíamos até os anos 1980. Refiro-me em especial ao impacto das chamadas tecnologias da informação e das comunicações (TICs) – que envolvem a telefonia móvel, a internet, as redes sociais e o processo de convergência de todas as mídias. Elas mudaram de forma radical e irreversível a face do jornalismo ao longo dos últimos 20 anos.
Como ponto de partida desta análise, é oportuno lembrar que o universo atual do Jornalismo brasileiro abrange três segmentos ou mídias bem distintas:
- Mídia impressa (jornais e revistas);
- Mídia eletrônica (rádio e TV);
- Mídia virtual (internet, redes sociais, portais informativos, blogs e motores de busca)
O jornalismo impresso – ou seja, o dos jornais e revistas –em franco retrocesso, não alcança hoje sequer 5 milhões de leitores. A radiodifusão (rádio e TV) cobre um público bem maior, de cerca de 70 milhões de ouvintes-telespectadores. O terceiro segmento – a mídia virtual, da internet e das redes sociais – já é o maior deles e abrange hoje 76 milhões de cidadãos.
Mesmo correndo o risco de afirmar o óbvio, relembro que a internet deflagrou a maior das revoluções não apenas nas comunicações como no Jornalismo, a partir do final do século 20. Essa revolução, entretanto, não tem sido compreendida nem reconhecida em suas reais dimensões pela maioria dos jornalistas.
A mudança de paradigmas
Reflitamos nesta situação comum no Brasil de 2014. Ao ligar seu desktop, tablet ou smartphone, milhões de brasileiros podem ler o noticiário dos maiores jornais e revistas do Brasil e do mundo, ouvir rádio, ver TV, navegar nas redes sociais, resgatar shows, entrevistas, visitar centenas de blogs ou participar de debates sobre os temas mais variados.
A internet e as comunicações móveis, mais do que quaisquer outros fatores tecnológicos, são as duas alavancas que mudam hoje a face do Jornalismo, ampliam o acesso à informação, ao entretenimento e trazem o mundo para dentro de nossas casas.
Mais do que isso: munidos de dispositivos móveis cada dia mais avançados, interagimos com amigos ou com desconhecidos, a qualquer hora e em qualquer lugar, nas redes sociais ou em ligações telefônicas gratuitas do Skype, com voz e imagem, num intercâmbio de mensagens que era impensável há pouco mais de duas décadas.
Em breve, viveremos a experiência do “Jornalismo na Nuvem”, em que acessaremos conteúdos de todos os formatos – textos, voz, dados, imagens, videocasts, infográficos – em qualquer lugar e a qualquer hora, em dispositivos móveis com tecnologia 4G. Em paralelo a esses avanços de computação em nuvem, poderemos extrair o que há de útil e de mais valioso da massa de dados e informações a que os especialistas já denominam de Big Data.
Para se ter uma ideia bem clara do impacto causado pela tecnologia – em especial pelo processo de digitalização, pela internet e pelas comunicações móveis – nada melhor do que voltar no tempo, em julho de 1990, ou seja, há exatamente 24 anos. Naquele momento, o Brasil não tinha um único telefone celular. Internet era ignorada pela maioria dos brasileiros, ou não passava de um neologismo, só conhecido de acadêmicos e militares. Banda larga era expressão quase sem muito sentido para o cidadão comum.
Três mídias convergentes
As tecnologias digitais têm afetado diretamente o universo do Jornalismo, de modo a fundir as mídias impressa, eletrônica e virtual. Essa fusão, embora prevista ou sonhada por alguns teóricos, era quase ficção há pouco mais por volta de 1990. Hoje, em contrapartida, ela se torna tão completa que, em diversas situações, apaga totalmente os limites entre as mídias.
O ponto mais relevante de todas essas transformações, a meu ver, é a ampliação extraordinária do universo do Jornalismo. Nos números utilizados neste artigo, consideramos apenas as pessoas com mais de 15 anos de idade. Essa faixa etária, segundo o IBGE, abrange 143 milhões de brasileiros, ou 71,8% da população total do País, que é de 201 milhões de habitantes.
Mídia impressa alcança 5 milhões/dia
Ao tratar do jornalismo impresso, é preciso ressaltar dois fatos preocupantes relativos à leitura e às tiragens de jornais e revistas no País:
O primeiro fato é a redução contínua do número de leitores, tanto em números absolutos quanto relativos. Ao longo dos últimos 30 anos, enquanto a população brasileira crescia 70%, a tiragem total de jornais e revistas no País se reduzia em 10%. Hoje não alcança mais que 5 milhões de leitores por dia.
O segundo aspecto ainda mais preocupante é o desaparecimento do leitor jovem. As novas gerações não têm o hábito de ler jornais ou revistas. Isso significa que o jornalismo impresso não tem futuro, pois o leitor de jornal é um animal em extinção.
Se não desaparecer em 20 anos, o jornalismo impresso deverá, na melhor das hipóteses, reduzir-se a um nicho, quase elitista, sem qualquer relevância como mídia de massa.
Mídia eletrônica: 70 milhões
Muito diferente é a situação da mídia eletrônica brasileira, que também passa por transformações tecnológicas. Essa mídia é hoje integrada por 3.500 emissoras de rádio (AM e FM), 250 emissoras de TV (incluídas aí as afiliadas às redes comerciais e públicas) e algumas empresas de TV por assinatura. Nesse segmento, merecem destaque os seguintes fatos:
A TV aberta brasileira está presente praticamente na totalidade dos domicílios do País (98%) ou 64 milhões de residências.
A TV por assinatura já alcança 18 milhões de residências (23%); mas quase metade de seus assinantes a utiliza para ver canais abertos, com melhor imagem;
O rádio alcança 40 milhões de domicílios (62% do total), além de 18 milhões de automóveis, o que perfaz um total de 58 milhões de receptores.
Em resumo, o público potencial alcançado pela mídia eletrônica seria, no máximo, de 140 milhões de habitantes, com base nos seguintes critérios: média de 1 ouvinte-espectador por receptor, mas levando-se em conta que apenas 50% dos receptores estão ligados nos momentos de pico ou de maior audiência. Assim, o público efetivo em termos realistas da mídia eletrônica (rádio e TV) é a metade dos 140 milhões de receptores – ou 70 milhões de ouvintes-telespectadores.
A tecnologia é responsável ainda por um fenômeno novo na audiência de TV no País que é o da chamada “segunda tela”, ou seja, o da recepção de televisão em dispositivos móveis (mobile TV) individuais – que adiciona milhões de dispositivos portáteis, como tablets, laptops e smartphones. Na realidade, essa recepção de TV na segunda tela, amplia muito mais o tempo da audiência, sem aumentar, necessariamente, o número de telespectadores.
Analisemos neste ponto a mídia virtual, que é a mais recente (e menos conhecida) no cenário das comunicações brasileiras.
A força da comunicação móvel
O que nos impressiona no desenvolvimento recente das telecomunicações brasileiras é o crescimento e a força da comunicação móvel no Brasil. Segundo dados de maio de 2014 da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) e da Telebrasil, entidade que representa as operadoras setoriais, existem hoje no Brasil 305 milhões de dispositivos móveis – aí incluídos 275,5 milhões de celulares e smartphones.
O Brasil tem hoje a densidade de 134 celulares por 100 habitantes, sem contar os modems (chips com número de celular) embutidos nos dispositivos de comunicação máquina-a-máquina.
Esse crescimento explosivo da telefonia celular é, sem dúvida, o fato mais relevante ocorrido no setor de telecomunicações no País ao longo dos últimos 15 anos.
De pouco mais de 10 milhões de telefones móveis em serviço existentes em 1999, o País saltou para os atuais 275,5 milhões. Uma expansão superior a 2.600% em 15 anos.
Além do crescimento físico da infraestrutura, é preciso considerar a evolução tecnológica das telecomunicações móveis, com a digitalização e a banda larga. É essa combinação de expansão física e modernização das telecomunicações que tem alavancado o crescimento acelerado do número de internautas, nos últimos 20 anos.
Mesmo sem qualquer apoio direto ou indireto dos governos desde 1998 até hoje – e até com a penalização irracional de tributos superiores a 43% sobre o valor dos serviços – o Brasil tem promovido uma extraordinária inclusão digital, que beneficiou mais de 100 milhões de cidadãos de baixa renda, ao longo das duas últimas décadas.
O impacto e expansão da internet
A internet desencadeia um processo de transformação do Jornalismo que merece ser destacado, pelo menos em dois pontos. A primeira e mais relevante dessas transformações – no Brasil e no mundo – tem sido dar voz a uma vasta parcela da população que não tinha voz. Em especial, com as redes sociais.
Outro impacto da internet que merece destaque é a ampliação extraordinária, sinérgica, da audiência dos meios de comunicação tradicionais. Na tela dos computadores e dispositivos móveis, se fundem todos os formatos de Jornalismo.
É claro que, do ponto de vista qualitativo, esse novo Jornalismo virtual das redes sociais e dos blogs ainda é profundamente heterogêneo, imaturo e, em sua maioria, sem nenhum código de ética. Mas, não nos esqueçamos, esse Jornalismo está na infância e evolui a olhos vistos. Mais ainda: ele veio para ficar.
Vale a pena refletir sobre o papel da internet nos meios de comunicação em geral. Por mais desorganizada e caótica que possa parecer, ela funciona como caixa de ressonância que amplifica e alarga o alcance dos meios de comunicação tradicionais.
A expansão da internet nos últimos 15 anos no Brasil tem sido impressionante. Por mais queixas que tenhamos sobre a qualidade da banda larga e o mau tratamento que as operadoras nos dão, temos que reconhecer essa expansão física ou quantitativa.
Em 1999, o número de internautas brasileiros não passava de 2 milhões de usuários. Hoje, só considerada a internet móvel, o número de usuários já é hoje de 148,7 milhões, ou 70 vezes mais, segundo dados da Anatel e da Telebrasil, entidade que representa as operadoras de telefonia ou teles.
Para não inflar os números globais da internet brasileira por uma eventual duplicidade estatística, não são computados aí os 30 milhões de usuários da internet fixa (residencial ou empresarial), nem os 35 milhões que acessam a web via tablets e dispositivos múltiplos (segundo ou terceiro celular). Eles acessam a web por canais de acesso redundantes. Limitemos, então, apenas para os propósitos deste artigo, o universo de internautas brasileiros aos 148,7 milhões de usuários da internet móvel.
Como mostram os números, a internet é um universo em franca expansão no Brasil, à semelhança do que ocorre nos demais países do bloco dos BRICS (Brasil, Rússia, a Índia, a China e África do Sul) e quase todo o continente africano. E mais: no Brasil, a base de usuários da internet deve crescer ainda de forma acelerada e por muito tempo.
O celular, que no passado era utilizado apenas para falar ou para a comunicação de voz, passa a ser usado cada vez mais para a comunicação de dados, proporcionando o acesso a jornais, revistas, ao rádio e à TV. E com a multiplicação dos aplicativos, os dispositivos móveis passam a prestar ainda uma imensa lista de novos serviços, entre os quais o envio e recebimento de fotos, e-mails, mensagens curtas (SMS), músicas, vídeos, jogos e mil outros aplicativos disponíveis. Um levantamento mundial mostra que existem hoje mais de 3 milhões de aplicativos para celulares.
Nas redes sociais: 75,8 milhões
Algumas palavras sobre o crescimento das redes sociais. Segundo as estatísticas mais confiáveis, a maioria dos internautas (51%) já faz parte de pelo menos uma rede social. Em números absolutos, temos que calcular 51% de 148,7 milhões – cujo resultado equivale a 75,8 milhões.
Esses 75,8 milhões de cidadãos acessam redes sociais como o Facebook, o Twitter, o MSN, o Yahoo, o Google, o Buscapé e outras – além de mais de 3 mil blogs (só considerados aqueles com mais de 500 leitores) e os maiores portais, como UOL, Terra ou dos maiores jornais em seu formato digital ou eletrônico.
Eis aí o maior segmento da audiência de nossos meios de comunicação.
O novo universo: 150,8 milhões
O novo universo do Jornalismo brasileiro, portanto, é a soma das três mídias – 5 milhões da impressa, 70 milhões da eletrônica e 75,8 milhões da virtual (internet e redes sociais) – que totalizam 150,8 milhões de cidadãos.
Esses 75,8 milhões de cidadãos das redes sociais constituem um extraordinário contingente humano que já acessa todos os tipos de conteúdo jornalístico – como notícias, comentários, opiniões, campanhas de mobilização, elogios ou críticas políticas, propaganda ideológica de esquerda ou de direita – entre outros conteúdos capazes de influenciar o comportamento político desses cidadãos.
Acho que a mídia virtual merece mais atenção de todos que pensam o futuro do Jornalismo.
Ethevaldo Siqueira - jornalista especializado em Tecnologias Digitais, comentarista da Rádio CBN e editor do portal www.telequest.com.br; tem 12 livros publicados sobre novas tecnologias da comunicação e da informação
Fonte: site Observatório da Imprensa