Enjoo é uma sensação poderosa. Até hoje não como mais
goiaba, desde que uma me deixou de cama, enjoada, por três dias quando ainda
criança.
Os vestidos e casacos lindinhos que usei no começo da
primeira gravidez (e olha que o enjoo foi até ligeiro, comparado com as
histórias de terror das grávidas na família) eu tive que dar —não suportava nem
olhar para eles no armário.
Até os livros que tentei ler na época eu nunca mais quis
abrir. A lembrança que acompanhava a visão de goiaba, casaco ou livro era
desagradável o suficiente para me manter longe.
Se o enjoo que acompanha a boa causa da gravidez
desejada já é um desalento, imagine aquele que é efeito colateral garantido de
um tratamento de quimioterapia, que já seria ruim por si só. Encarar um câncer
e mais a náusea é sacanagem dupla do universo.
Para a felicidade futura de todos aqueles que um dia
serão poupados de enjoos de outra forma inevitáveis, há neurocientistas que
acham perfeitamente justificado provocar náusea em ratos de laboratório em
busca de compreender de onde ela vem e como evitá-la. E para felicidade geral,
há países que apoiam pesquisa com maconha e derivados.
Acontece que o canabidiol, a outra substância ativa da
maconha que, ao contrário do THC, não dá barato, é sabidamente um tratamento
eficiente contra o enjoo —e profilático, também.
Em artigo publicado recentemente na revista eNeuro,
de acesso aberto, uma equipe de pesquisadores no Canadá descobriu que
substâncias que dão enjoo em ratos fazem isso ao causar um pico de liberação de
duas vezes a quantidade normal de serotonina no córtex da ínsula, que monitora
as sensações fisiológicas do corpo. Sem esse pico, os ratos não tem engulhos.
Na versão roedora do meu cérebro condicionado na
infância a associar goiaba com enjoo, ratos que aprenderam a associar um sabor
doce a intoxicação com lítio passaram a mostrar o tal pico de serotonina na
ínsula em resposta ao sabor, seguido de engulhos. Mas tudo vai embora se a
provação é precedida de canabidiol.
Talvez isso ajude a desfazer o mito de que serotonina dá
prazer; serotonina dá é enjoo, se liberada na ínsula. Aliás, essa é bem
provavelmente a causa da náusea que algumas pessoas sentem como efeito
colateral de antidepressivos, nos primeiros dias de tratamento. Mas agora que a
causa é conhecida, a náusea do remédio pode ter jeito.
E também a náusea aprendida. Quem sabe um dia ainda como
outra goiaba?
Suzana Herculano-Houzel - bióloga e neurocientista da Universidade Vanderbilt
(EUA)
Fonte:
www.suzanaherculanohouzel.com