Como a falta de tipificação penal para fraude incentiva essa prática na saúde suplementar


Um dos assuntos que mais tem se falando nos últimos meses é o impacto das fraudes no orçamento da saúde suplementar. 

Segundo dados da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), o setor teve prejuízo operacional acumulado é de R$ 11,5 bilhões em 12 meses, o maior em mais de duas décadas. 

Por outro lado, segundo dados do Instituto de Estudos em Saúde Suplementar (IESS), estima-se que existe um desperdício no setor de cerca de R$ 28 bilhões anualmente. Mas, nesse montante, o que é fraude e o que é desperdício?Sim, fraude é uma coisa e desperdício é outra.

Existem custos assistenciais que são pagos desnecessariamente (exemplos: médicos diferentes que pedem o mesmo exame e o beneficiário realiza em duplicidade), porém legítimos tecnicamente. 

Outro exemplo é quando se opta por um exame mais caro (uma ressonância, por exemplo) em lugar de uma solução mais acessível (um raio-x). 

Também há a infração ética que não é crime, nem fraude e sim uma irregularidade administrativa passível de sanção administrativa – extrajudicial. 

Por exemplo, no caso de o médico solicitar um exame que submete o paciente a radiação ao invés de um menos invasivo para obtenção de faturamento. 

Conforme dispõe o Código de Ética Médica, o médico deve observar o princípio da não maleficência e sempre deve indicar o melhor cuidado ao paciente.

Fraude é enganar ou ludibriar. Já crime é a ação (realização) de uma conduta proibida pelo tipo penal incriminador prevista na Lei Penal ou Lei Específica. 

E aqui, chegamos em um ponto importante dessa discussão: nosso Código Penal não tem figura objetiva criminalizando a fraude entre entes privados. Portanto, tecnicamente há erro quando se afirma que fraude é crime. 

Importante destacar que fraude na saúde suplementar não está restrita a figura do reembolso. 

Temos superfaturamento de materiais, preenchimento errado de declarações de saúde para esconder doenças preexistentes, empréstimo da carteirinha do plano de saúde e na solicitação de emissão de dois recibos para completar o valor da consulta, entre outros exemplos.

Infelizmente, para a criminalização da fraude no setor da saúde suplementar é preciso fazer uma ginástica, muitas vezes sem sucesso, para enquadrar as práticas em figuras penais como o estelionato. 

Exatamente por isso existe uma dificuldade enorme para as operadoras de planos de saúde coibirem a fraude ou terem ferramentas eficazes para desestimular tal prática. 

A exemplo de outros países como USA, é preciso criar legislação específica prevendo as hipóteses de fraude e sua criminalização.

Justamente por não existir uma bala de prata, se impõe uma ação multiplataforma a ser utilizada para coibir tais práticas, como: propor medidas administrativas visando abertura de processos éticos junto a Conselhos de Classe como o CRM e CRO; abrir investigações criminais para apuração de estelionato, falsidade ideológica na produção de documentos e até crimes fiscais, ações cíveis, medidas administrativas junto ao Regulador – ANS noticiando os fatos, tudo para pressionar de forma global os infratores.

Contudo, como citado anteriormente, o ideal seria que nossa legislação tipificasse a fraude como crime. 

Com a certeza da impunidade, os fraudadores avançam ganhando dinheiro às custas da saúde de 50 milhões de brasileiros e impactando o sistema de saúde privado do país, com a tranquilidade de que não estão cometendo um crime. 

Em outros países a fraude é objeto de investigação criminal e de condenação pelo poder judiciário inclusive com apenamento de prisão e multas. 

FERNANDO BIANCHI – Sócio do M3BS (Miglioli, Bianchi, Borrozzino, Bellinatti e Scarabel Advogados)

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